Nenhuma pessoa merece ser estuprada

Há uma campanha em curso nas redes sociais contra o estupro. Mulheres se deixam fotografar com cartazes onde se lê: “Eu não mereço ser estuprada”. Na realidade, nenhuma pessoa merece, porque é violência contra o ser humano – violência primitiva, aliás, mas que perdura até hoje. A revolta atual é por conta do resultado de uma pesquisa do Ipea segundo a qual 65 por cento dos homens brasileiros opinaram que mulher com roupa curta estimula o estupro. Eu acho que isto é mais fruto de ignorância e machismo, não acho que esta maioria seja estupradora, ainda que tivesse oportunidade. Mas este tipo de pensamento não ajuda a combater o problema, que é real. Ao contrário.

Real e ocorre com frequência. Uma conhecida minha desapareceu durante dias, eu estranhei e quando voltei a encontrá-la ela me contou o motivo do sumiço: quase foi estuprada quando voltava no começo da noite do serviço para casa. Ela estava no ônibus, desceu num ponto no Barreirinha e um homem moreno alto, de uns cinquenta anos, desceu junto. Caminhou atrás dela e quando ela virou perto de sua casa, ele a atacou, tentando arrastá-la para um terreno baldio. Não havia ninguém na rua, o que facilitou o ataque e encorajou o agressor. Ela se desvencilhou, correu até sua casa e o sujeito ainda entrou na casa da garota. Mas foi escorraçado por alguém que estava lá. Os familiares chamaram a polícia, o sujeito foi preso porque ainda estava nos arredores e depois liberado.

A queixa foi registrada, mas até onde soube, nada aconteceu a ele, talvez porque a violência maior – a penetração – não foi consumada. No entanto, a legislação é clara: o estupro, consumado ou tentado, é crime hediondo. A garota me disse corretamente: “Mas seria preciso então que ele me violentasse ou me matasse para alguma coisa ser feita?” E o sujeito tinha antecedentes. Ou seja, é um tarado que anda por aí procurando vítimas para atacar. E no caso desta amiga, ela não usava roupas curtas. Como a violência urbana anda com uma variedade quase infinita de modalidades, os crimes de natureza sexual só entram na agenda de forma eficaz quando consumados em sua forma mais drástica.

Eles ocorrem com frequência. E não só por estranhos que descem de ônibus, por um sujeito que desce de carro e encurrala a garota, mas também dentro de casa, principalmente contra garotas e crianças por padrastos, tios e vizinhos – quando não por pais desnaturados. Os jornais são testemunhas. O estuprador assume o perfil lombrosiano e animal, capaz de deixar sequelas físicas, além das de natureza psicológica. É sério. O combate é complicado, as fronteiras são movediças. Campanhas em redes sociais tem o aspecto positivo de deixar a população alerta. Mas não produz solução. Em muitos casos, a coisa descamba para o deboche, que é um traço inerente ao brasileiro. Muitos comentários são indignados, mas outros são galhofeiros. No entanto, embora não resolvam, servem como grito de solidariedade de parte da sociedade para com as pessoas atacadas – um estímulo para que se exerça um tipo de coerção efetiva que iniba os agressores.

Quando se fala em estupro, geralmente a ideia que se tem é a de uma adolescente ou mulher jovem atacada. Crianças e velhas também são. E meninos, uma violência pouco divulgada, mas comum. Dia destes li sobre um sujeito que organizava times de garotos para tirar vantagem sexual do contato com eles. E não se pode esquecer que a relação sexual com menor de 14 anos, ainda que consentida, é equiparada ao estupro para efeitos legais. O estupro atinge todas as faixas etárias. Este jornal noticiou há pouco tempo o caso de um guardião de um asilo que estuprava velhinhas de madrugada, uma delas quase paralítica. Em outra ocasião, também noticiado pela Tribuna (manchete do dia 28 de março), um tio seduzia uma garota de quatro anos, há um ano, alegando que ela gostava. Um sujeito deste é um monstro cínico. A natureza bestial do ser humano não tem limites. E quando ocorre isto é preciso botar um freio.