Não imagino Rita Hayworth cheirando rapé

A amiga Georgia Schnneider, que conhecidos chamam de Georgette, apareceu com uma onda para a qual não sei o que dizer: ela está cheirando rapé. Diz que a coisa está em alta nos clubes mais escolados da Europa. Para quem não sabe, rapé é o tabaco ralado misturado com plantas aromáticas e que foi inalado por séculos. A princípio não me espantei porque sempre tem garota com uma novidade. Eu acho este hábito de aparecer com algo novo, mesmo que bizarro, um recurso da pessoa para se diferenciar das outras no meio da multidão. Já vi mulheres fumando charutos e outras fumando cachimbo. Então, aparecer cheirando rapé não chega a ser assustador.

Mas Georgette, como acontece com essas pessoas que aparecem com algo diferente, começou a enumerar as virtudes do rapé, mas escondeu os defeitos. Ela me disse que cheirar rapé é chique e para ela resolveu um problema social. O problema social de Georgette era que ela fumava. Toda vez que tinha vontade de fumar cigarro, ela saía correndo para um lugar escondido, como alguém com um tremendo desarranjo estomacal, uma vez que fumar em lugares públicos é proibido. Aí, quando voltava para o grupo, tinha perdido o fio da meada da conversa ou o grupo tinha se dispersado. Ou, pior ainda, não encontrava mais ninguém. Realmente, o fumante foi transformado numa espécie de marginal. “Eu tinha um problema”, resumiu Georgette.

Como era difícil largar o cigarro, ela o trocou pelo rapé, que não tem legislação proibindo o consumo em lugares públicos e é feito da mesma planta – Nicotiana tabacum, que dá origem ao fumo. No começo ela estranhou, mas quando percebeu que deixou de fumar cigarro, ficou feliz. Agora é uma garota que não perde o ritmo das conversas em público e só ganhou um efeito colateral que não assusta ninguém: espirra mais que antes. Eu ouvi a confissão de Georgette e pensei que ela estava de brincadeira. Mas ela sacou uma caixinha, tirou um pouco de fumo ralado. Era o rapé: fechou a mão esquerda na vertical em forma de concha e tampou um buraco do nariz e com os dedos da outra mão aproximou o rapé do buraco aberto e aspirou com força. Depois espirrou. “Atchim!” Respondi: “Saúde!”.

Ela me mostrou a caixa, aspirei um pouco do fumo ralado. Tinha aroma adocicado, como mistura de cravo-da-índia, canela, erva doce ou chocolate. Ou tudo isto. E provocava uma agradável irritação no nariz. Ela disse: “Não há mais lugares na cidade em que se pode fumar. O fumante é psicologicamente um criminoso que teme aparecer alguém para censurá-lo”. Realmente, o cigarro foi banido do convívio social. Chegou a um ponto que na ciclovia um sujeito fumava maconha, outro passou e disse em tom de censura: “Ah, eu pensei que fosse tabaco”. E o cara nem era uruguaio. Tudo bem. A coisa chegou a um nível de clandestinidade. O fumante é um subversivo.

No entanto, cheirar rapé me pareceu uma solução desesperada. Ou bizarra. Ou antiga. Ou tudo isto. Quando o português Albino Souza Cruz iniciou suas atividades no começo do século 20, com a produção de cigarros enrolados, ele quebrou e adquiriu a Imperial Fabrica de Rapé. Foi o fim do rapé em larga escala. Até então o rapé foi consumido durante séculos, consumo contraditório, para uns era chique, para outros um vício. Ele sobreviveu como curiosidade. Até para estranho uso medicinal. Na minha infância eu cheirei rapé. Ele era indicado para a gente espirrar. Mas por mais que eu tente me lembrar, eu não consigo saber por que eu tinha que espirrar sem que tivesse vontade natural e espontânea.

O rapé aparece em obras literárias antigas. Por tudo isso eu achei estranho este novo hábito de Georgette – e de alguns clubes da Europa. Eu acho que a onda não vai pegar. Eu sei que o cigarro entrou em desgraça, que faz mal à saúde, tudo bem. Mas eu nunca vou me livrar das imagens das mulheres fatais dos anos 20, 30, 40 e 50, fumando cigarro. Não imagino o rapé concorrendo com o cigarro em charme – não imagino Rita Hayworth e tampouco a Marlene Dietrich cheirando rapé. Sem contar que o rapé deixa o nariz sujo, parecendo bumbum de criança depois de um desarranjo. Mas eu tamb&,eacute;m não vou perder a amizade de Georgette por causa de um rapé.