Não é todo maluco que nasceu para ser Banksy

Uma das maiores degradações visuais das metrópoles modernas é a sujeira aplicada em muros e paredes de edifícios por algumas dezenas de pessoas que acreditam que isto seja arte. Ou, talvez, nem elas acreditam nisso. Eu diria que as pichações estão para a arte assim como o estupro está para o sexo. Estuprar não é fazer sexo – é violentar, é agredir. E pichar não é fazer arte, é sujar. Mas o diacho é que é um fenômeno mundial e Curitiba não está imune. Quem fica feliz? Os donos dos muros e paredes não ficam. E os traseuntes não gostam destes garranjos agressivos.

E se trata de um fenômeno perversamente democrático – pode ser visto no centro da cidade, nos bairros nobres e também na periferia. A maioria das pichações não passa de palavras de ordem arcaicas, de rabiscos que tentam copiar outros feitos e não reconhecidos por nenhum crítico, esteta ou gente ligada às artes oficiais e subterrâneas. A maioria tende a desaparecer por ser inócua. É claro que existem nesta multidão de pichadores alguns sujeitos talentosos. Mas confudí-los com os milhares de malucos que estão mesmo a fim de “apavorar” ou dar um “picho” é ser injusto com os primeiros, até porque estes são uma reduzida minoria.

Em São Paulo, por exemplo, teve o caso de Alex Vallauri, grafiteiro, artista gráfico, pintor, desenhista, gravurista e cenógrafo que nasceu em Asmara, na Etiópia, em 1949, e chegou ao Brasil em 1965. Mas quando o sujeito tem talento, a coisa toma outro rumo. Ele não irrita a cidade – ele é resgatado para levar o seu talento para ser apreciado nos locais para os quais foram feitos. Vallauri, que morreu em 1987, foi premiado em 1968 e dois anos depois estava expondo no Masp. E estudava: se formou em artes visuais na Faap e se especializou em litografia em Estocolmo. Enfim, dizer que ele estava dando “um picho” é injusto.  

E temos mais recente este fenômeno internacional, que é Banksy, artista britânico que desenvolveu seus trabalhos em estêncil a partir das ruas de Bristol, na Inglaterra, trabalho que ganhou as ruas de Londres e de outras importantes cidades do mundo. Eu não sei se Banksy pede autorização para pintar muros e paredes nas cidades por onde passa. Eu presumo que ele faça isso, porque boa parte de seu trabalho é desenvolvido durante o dia, é demorado, criterioso. E, neste caso, se o dono do imóvel não se sente honrado com a obra do artista, ele tem pelo menos tempo e oportunidade de pedir para ele parar com isso ou dar um belo carreirão no cara.

O certo é que Banksy ganhou a notoriedade de grande artista pop moderno por conta da critica social, pelo bom humor, pela harmonia, pela originalidade, até pela certa elegância, enfim, por uma série de fatores que levaram os críticos a reconhecer que ali tem um artista e não apenas mais um vândalo chapado interessado em deixar suas pegadas numa parede limpa para no dia seguinte dizer aos amigos: “Esta trolha fui eu e os manos que fizemos. Foi um grande barato! O dono do muro deve tá muito puto da vida”. E pelo menos nisso ele vai estar certo. O dono do imóvel e as pessoas que gostam da cidade também ficam muito desapontadas com estas pichações sem o menor valor estético e tampouco de contestação social, pois não mudam a vida de ninguém – nem a dos próprios pichadores. O diacho é que existe arte de rua, mas também é certo que não é todo maluco que nasceu para ser Banksy. E os donos de muros e paredes não são obrigados a pagar a conta de estripulias feitas invariavelmente na calada da noite.