Não é doce a vida dos caçadores de mel

Abelha no verão é um perigo. E o primo Jorge foi avisado. Era dia de Natal e saímos em grupo para uma incursão inofensiva dentro da mata. O máximo que os tios permitiram era molhar os pés no riacho e catar frutas do campo. Qualquer coisa, além disso, sairia do propósito de reflexão que o dia inspirava para aquela família católica.

Mas eis que o primo Jorge lembrou que tempos atrás avistara por aquelas bandas uma colmeia promissora. Com certeza estava no ponto para furar, dizia. Deveria estar carregada de mel e a cobiça tomou conta do pensamento do primo Jorge. Como não conseguiu convencer o restante do grupo, se mandou sozinho em sua aventura. Improvisou um archote com um pedaço de galho e uma camiseta velha e com isso achou que faria fumaça suficiente para pilhar a colmeia.

De repente, o barulho suave do vento entre as árvores deu lugar a um tropel ensandecido. Olhamos por entre a mata e vimos o primo Jorge, correndo e se estapeando feito louco. A esta altura já berrava, o coitado, acossado pela diligente patrulha aérea das abelhas. Gritamos para que ele fosse para o riacho e ele não teve nem dúvida, mirou na direção do lajeado e se atirou de roupa e tudo.

Despistadas as abelhas, fomos socorrer o primo. Estava molhado, com vergonha e um pouco encaroçado devido às ferroadas que levou. E o mel esqueça! As abelhas mostraram que estavam prontas para defendê-lo.

Encarar abelhas não é para qualquer um. Só tinha visto bombeiros e apicultores com aqueles trajes especiais serem capazes desta proeza. Mas isso foi até ler sobre os nepaleses de Gurung. Os homens comem abelhas no café da manhã, por assim dizer. São denominados caçadores de mel. E diferente do abelhudo primo Jorge, a colheita do mel é assunto sério por lá, porque garante a sobrevivência das famílias e é uma tradição que passa de pai para filho, há centenas de anos.

Só que a busca do mel em si já é um risco de vida para os intrépidos nepaleses. Para começar as abelhas pertencem à espécie Apis Laboriosa e chegam a medir até três centímetros na fase adulta. O inseto faz as colmeias em penhascos. Estamos falando de alturas que variam de mais de três mil metros.

Dá um frio na barriga só de pensar. Os caçadores de mel se penduram nestes precipícios usando escadas feitas de cipós, sem cinto de segurança ou qualquer outro equipamento. A única arma é um pedaço de bambu, usado para cortar o favo. Contra as ferroadas, calças compridas e lenços têm que bastar, porque não há para onde correr.

Quem consegue vencer todos os obstáculos e a fúria das abelhas do Himalaia, leva como prêmio um mel valioso. Cada colmeia produz um único favo, mas ele chega a medir um metro quadrado e pode render até 60 quilos de mel.

* Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.