Deixei para as férias a nova antologia de contos eróticos de Dalton Trevisan, que saiu no final do segundo semestre de 2013 pela Editora Record. Não vou dizer que é o melhor livro do escritor dos últimos vinte anos, porque seria covardia com os outros. A antologia pega praticamente os melhores contos de Trevisan de seus melhores livros dos últimos vinte anos – é como comparar a seleção brasileira com qualquer outro time, por melhor que seja. Que a literatura de Trevisan tem forte conteúdo erótico não é novidade, mas quando se produz um volume com as melhores peças eróticas de certo período, então o livro assume a condição de clássico. Que, de certa forma, completa outro de 1984, Contos Eróticos, também antologia, formando dois volumes bem apimentados.

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Se tivesse lido antes e escrito o comentário nas semanas que antecederam o Natal, ia sugerir o livro de presente para velhinhos tarados. Que gravata e panetone não deixa velhinho com a boca cheia de saliva – velhinho gosta de história picante. E Dalton Trevisan é um Boccaccio curitibano no meio desta peste que se chama modernidade. Existem contos em que o erotismo está dissimulado, oculto por um biombo de misérias existenciais de casais ou de pessoas solitárias se atropelando em quartos ou salas escuras da cidade, nos becos do centro ou dos bairros distantes, de raparigas abandonadas ou de maridos e amantes traídos – ou traidores.

Outros são cenas que acontecem na cidade, de violência de natureza sexual – e o sujeito que a comete, naturalmente só pode ser o maníaco seja ele dos olhos verdes ou do agasalho vermelho. Nas ruas de Curitiba, de manhã ou de noite, sempre há um maníaco à espreita de moça indefesa. Os mais baixos instintos comandam as suas ações. ‘Basta ser mulher, só o que vejo. O assobio, só o que escuto. É uma doença, certo? O bruto que se empina aqui no meio das pernas. Corcoveia e relincha. De mim faz o que bem quer. Ordena, eu executo. Não consigo controlar‘, diz um destes faunos desalmados.

As moças são as Marias, dezenas, talvez centenas, ora safadas, ora sofridas, ora provocadoras, ora estupradas à beira de um trilho do trem, ‘na frente e atrás‘. Marias já cantadas em prosa e verso pelo mesmo bardo escondido no meio da neblina. E os homens, ora conquistadores, ora chifrudos, ora rastejando, ora dominando, ora anão, ora perneta, uma fauna masculina que só pensa em sexo. ‘Hoje aqui estou, sozinho e solitário. Aos pequenos pulos numa só perna. Sonhando em vão com o meu paraíso achado e perdido‘, diz o perneta. Quem lê, abre um sorriso e balbucia: ‘O vampiro está velho, mas continua tarado o danadinho‘. E não é?

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Claro que é. Ele espia e ouve. E depois conta. Tudinho. Não esconde nada. Ele sabe que a cidade está cheia de tarados e de Marias, muitas delas ouvindo vozes misteriosas no chuveiro, na lanchonete, em sonho, sussurradas no ouvido pelos aliciantes demônios luxuriosos dos Pinheirais: ‘Levante uma ponta da saia xadrez plisada. Empine a nalguinha. Rebole, sua vadia. Exiba esses mimos, prendas, graças. Diga que tá gostando. Erga a blusa. Baixe a calcinha. Agora de joelhos e mão posta. Peça perdão, ingrata, dos muitos enganos, cuidados e aflições‘. Depois de uma dessa só resta fechar o livro para respirar um pouco e murmurar: ‘Ai, meu Deus! Que vampiro mais sacana!‘ E não é?