Ele era durão, mas chorou por causa de uma perereca

O meu amigo Paulo Kügelgen é um cara forte, sério e de poucas palavras. Eu diria que ele não se abala por quase nada. Eu disse quase nada, porque ontem ele chegou triste, abatido, querendo desabafar com alguém. E como não tinha com quem confidenciar a sua dor, ele me pegou para Cristo. E me pediu para não contar para ninguém o que ele ia revelar. Eu prometi ouvi-lo, mas não jurei que não ia contar para ninguém. Quer dizer, não contei para ninguém, estou apenas escrevendo a triste história de Paulo. Que começou a contá-la assim: “Se eu não fosse forte, eu chorava. Chorava que nem criança. Hoje de manhã eu perdi a minha perereca”.

Eu levei um susto. No começo eu pensei que ele estivesse falando de outra coisa, mas ele falava realmente do anfíbio saltitante que em dias de chuva congestionam as ruas de Curitiba, principalmente as que ficam nas proximidades do Rio Belém. Pois bem, uma destas pererecas entrou na vida de Paulo Kügelgen. Tudo começou depois de uma chuva torrencial. Ela apareceu na casa de Paulo, que mora no bairro Boa Vista, no começo da Rua Holanda. É uma propriedade longa, no interior da qual moram umas doze famílias, em casas independentes, unidas por uma espécie de rua interna e privada. No fundo do terreno existe um pequeno lago.

Em vez de matar a perereca como faz a maioria das pessoas, Paulo pegou o bicho e levou para o lago. Foi amor à primeira vista. Ele gostou da perereca e a perereca gostou dele. Mais que isso, Paulo Kügelgen, sem que fosse visto, passou a ir depois do almoço ver a perereca no lago. Levava alimento para o bicho. E o bicho sabia que quando ele aparecia, a fome sumia. Ele chegava e ela o recebia com uma onomatopeia que ele interpretava como uma saudação de boas vindas. Ele aprendeu também a fazer aquilo. O relacionamento entre os dois amadurecia, era uma amizade interespécies.

Que não deve surpreender ninguém, tem pessoas que gostam de cães, outras gostam de gatos, houve um tempo em que as pessoas gostavam de iguanas e assim por diante. Por que Paulo Kügelgen não podia gostar de uma perereca? A namorada não sabia do caso, mas a mãe dele desconfiou e um dia o flagrou no lago: “O que você faz aí com esta perereca?” Ele contou o caso para a mãe. Disse que ele a domesticou. Que se ele a chamasse ela pulava em sua mão. A mãe duvidou e então ele se aproximou do pequeno lago e disse: “Uom, uom, pula na minha mão! Uom, uom, pula na minha mão!” A perereca hesitou, virou, se aproximou da margem e pulou na mão dele. A mãe de Paulo pediu para ele parar de ver a perereca. Ele ficou dois dias sem vê-la. No entanto, no terceiro dia, quando ele almoçava, quem ele vê na varanda de sua casa, chamando-o: “Uom, uom, uom”? A perereca. A mãe ficou impressionada e deu nos dentes. Contou para a vizinhança que Paulo andava de lero-lero com uma perereca no lago da propriedade. A prima de Paulo Kügelgen, uma aeromoça de fechar o comércio chamada Hortência, achou aquilo uma aberração. Ela gostava do primo, mas ficou com pudor de apertar a mão dele, sabendo que aquela mão era compartilhada e curtida por uma perereca.

Mas ela não levou aquilo muito a sério, porque passava a maior parte do tempo em viagens internacionais para o Peru, Estados Unidos, Argentina e outros países. No entanto, ontem de manhã, quando Paulo saia para o trabalho, ao abrir o portão, quem ele vê toda arreganhada na calçada, com a língua de fora? A perereca. Na metade do corpo as marcas do pneu do carro de Hortência. Ele não acredita que a prima foi capaz de matar o bicho intencionalmente. Chovia quando ela saiu e com as chuvas estes bichos se assanham e pulam em todas as direções, achando que o mundo se transformou num brejo aconchegante. “Não importa quem a matou. O que é importa é que ela morreu”, disse o consternado Paulo Kügelgen. E neste momento ele finalmente deixou cair uma lágrima. Eu fingi que não vi. Mas ele chorou. Ele chorou por causa de uma perereca.