E tudo começou com uma vaca que fumava cachimbo

Aconteceram coisas estranhas aos brasileiros e ao Brasil nos primeiros meses de 1964 – ou seja, há cinquenta anos. No dia 11 de fevereiro a Miss Brasil e Miss Universo de 1963, Ieda Maria Vargas, foi presa numa loja de departamentos em Miami acusada de furtar uma calcinha avaliada em US$ 24,94 – ela foi solta depois de pagar fiança de US$ 500,00. A bela Ieda Vargas disse que tudo não passou de um equívoco por conta de sua dificuldade em se expressar no idioma ianque. Até hoje os americanos temem as brasileiras que não falam inglês: elas podem furtar calcinhas caras em suas lojas por desconhecer o idioma.

Aqui no Brasil uma grande muvuca na política e na economia: todos conspiravam e ninguém inspirava confiança. No dia 21 de fevereiro, Brizola acusou Jango Goulart, que era seu cunhado, de ser como o Belo Antônio do filme de Mauro Bolognini: bonito, mas impotente no governo. A embaixada americana não pensava assim e mandava comunicados para Washington alertando que o Brasil ia virar uma nova China na semana seguinte, mas sem falar chinês. O governador da Guanabara, Carlos Lacerda, conspirava. Achava que se Jango caísse, ele seria ungido. Se soubesse que seria cassado, pegaria leve. Não pegou. E pagou.

O dólar oficial era cotado em 600 cruzeiros, mas no paralelo ninguém achava por menos de 1.300. Jango não sabia para onde ir e resolveu fazer discurso para os trabalhadores: prometeu o paraíso com algumas canetadas. O governador de São Paulo, Adhemar de Barros, corrupto e conspirador, balançou a cabeça: “Isto aí é comunismo no duro”. Até aquele momento, a única baixa nacional era Ary Barroso, flamenguista roxo, que cometeu o desatino de morrer num domingo de Carnaval – 9 de fevereiro. Enquanto os familiares e amigos do autor de Aquarela do Brasil velavam o finado à beira do caixão, o resto do Rio de Janeiro se esgoelava no salão: “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é? Será que ele é Bossa Nova? Será que ele é Maomé? Parece que é transviado. Mas isso eu não sei se ele é”. Realmente o Brasil não era um país sério.

Depois da frase atribuída à De Gaule no ano anterior, por ocasião da Guerra da Lagosta, quem veio conferir a nossa hospitalidade foi Brigitte Bardot. Ela chegou dia 13 de janeiro de 1964 e foi para Búzios, na época inóspita. Veio com um playboy marroquino chamado Bob Zaguri. Os dois ficaram na casa de um diplomata russo chamado André Mouriaev, que não era representante soviético e sim da ONU. Ninguém sabe o que discutiram, mas até hoje Brigitte é considerada uma espécie de Cristóvão Colombo de Búzios. Tem até estátua dela na cidade. Ela descobriu o lugar e o anunciou para o mundo.

A situação política continuava um perereco. Todo mundo conspirava, todo mundo discursava, todo mundo profetizava, mas ninguém arriscava. Foi aí que apareceu o general Olympio Mourão Filho. Comandava a IV Divisão de Infantaria em Juiz de Fora. Na noite de 31 de março ele anunciou: “Eu vou invadir o Rio de Janeiro”. Seus superiores tentaram demovê-lo dizendo que não era hora de bancar o machão. Ele respondeu: “As tropas já estão na rua”. Quer dizer, na estrada. Além de farda e capacete, Olympio foi armado com o seu inseparável cachimbo. E além de fumo no cachimbo, ele pregou fumo na democracia. Era 1º de abril. E o golpe não era uma piada.

Quando João Goulart soube dos tanques de Mourão, tratou de correr. Os seus generais afastaram Mourão e tomaram o país para eles, em nome do povo, claro. E aplicaram 171 nos líderes civis. Disseram que iam devolver o país para a democracia mais adiante, mas gostaram das boquinhas e do poder e fecharam as portas para todo mundo – para quem era comunista e para quem não era. Aí foram indagar para o general Mourão o que ele achava daquilo. Ele cunhou sua frase mais célebre: “Em matéria de política não entendo nem falo nada. Sou uma vaca fardada”. E foi assim que começou o golpe militar do dia 1º de abril 1964: com o mugido de uma vaca fardada. Depois da comédia, veio o filme de terror.