Estou sempre no bar. Não na forma física, mas em um grande retrato emoldurado na parede que me torna onipresente no bar mais antigo da cidade, o Stuart. Estou lá, como o Grande Irmão, do livro “1984”, de George Orwell, observando tudo e todos. Junto comigo estão os também jornalistas Bernardo Bittencourt, José Fernando Nandé e Fabrício Binder. A foto foi feita por ocasião dos 100 anos do Stuart e confesso que nem percebi quando fomos clicados e alçados à “fama”.

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Explico: a mesma foto foi parar no livro “Bares do Paraná”, que como o nome diz estampa fotos de vários botecos e também porres homéricos, como é natural. Neste compêndio, dividimos espaço com fidalgos bebedores e com bêbados contumazes, o que é ali fielmente retratado em cores vivas. Nosso encontro aconteceu em 2004 e apesar da intenção firme de repeti-lo mais vezes, a formação jamais ocorreu novamente, nem ali ou noutro lugar. Pelo que eu sei não são por motivos religiosos, mas pelos caminhos diversos que a vida estendeu para cada um.

Não sei os meus amigos, mas esta foto na parede do Stuart já me rendeu situações engraçadas. Como corto o cabelo ali perto, no Edifício Asa, na volta às vezes paro por ali para um chopinho. Numa dessas ocasiões, um cidadão que mandava ver uma batidinha de maracujá olhou no retrato e veio falar comigo. Com a voz já meio arrastada, questionou: – É você naquele retrato?

Respondi que sim. O homem fez uma careta e saiu resmungando. – O Dino me paga, frequento este bar há 30 anos e não tenho nem uma foto 3×4 na parede!

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Sobrou para o pobre Dino Chiumento, o comandante do Stuart.

Em outra ocasião, também voltando do barbeiro duas senhoras que faziam um lanche por ali, começaram a falar baixinho. Fitavam o quadro na parede, davam aquela disfarçada, me olhavam de soslaio e ficavam discutindo se o distinto que vos escreve era ou não o cara da foto. Ficaram na dúvida, porque não perguntaram e eu fiquei quietinho.

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O mais sinistro estava por vir. Há algum tempo estive lá e um dos garçons começou a puxar conversa comigo. Vi que estava meio cerimonioso no trato e logo descobri o motivo. Sempre falando em tom cuidadoso, ele disse que muitas pessoas que haviam passado pelo bar perguntavam quando aquele “ator de cinema” tinha vindo ao Brasil. Percebi a armadilha e perguntei logo a marca da bebida que eles estavam servindo ali, porque que eu queria distância dela.

O garçom riu, mas não se deu por vencido e começou puxar pela memória pedindo ajuda aos outros funcionários. – Como era mesmo o nome que o pessoal tinha falado?

Um deles respondeu que tinha alguma coisa ver com “Jack” ou “Jackson” e eu já cai na risada. – Samuel Lee Jackson?, perguntei.

O garçom fez aquela expressão de quem tem um insight e exclamou: – Esse aí!

Nossa, velho! Bem menos, apesar de ser uma honra ter sido comparado com um dos astros negros do panteão de Hollywood. É o preço da fama. Outro dia mesmo no Facebook , o ponto de encontro moderno – só que cada um no seu canto e com a sua birita -, o jornalista Osni Gomes reviveu a dita foto e lançou a dúvida pertinente: sempre que vai lá se pergunta porque não encontra o quarteto. No meu caso, não troquei de boteco, mas é que bebo cada vez menos. Só socialmente como dizem, para manter o colesterol e a circunferência abdominal sob controle. Mas a foto teima em me desmentir. Com diz o ditado, quem tem fama, deita na cama!

P.S.
A partir de segunda-feira, o titular deste espaço Edilson Pereira reassume após merecidas férias. Não poderia deixar de dizer que foi uma imensa felicidade dividir com vocês casos e causos, fatos verossímeis e inverossímeis que ouvi ou testemunhei na minha curta experiência de vida. Espero que seja recíproco. Abraços a todos!

* Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.