Deus perdoa, mas a natureza é implacável

Eu fui fazer pesquisas na Biblioteca Pública do Paraná na manhã de sábado. É uma hora e um dia bons para este tipo de coisa, porque no final de semana o fluxo de pessoas é menor não apenas por lá, mas em toda a cidade. As ruas ficam mais calmas, as pessoas menos estressadas e até mais gentis e comunicativas. Pedem desculpas por qualquer esbarrão, quando nos dias de semana emendam nervosas: ‘Por que no olha por onde anda?‘ Além deste motivo, por si só relevante, havia outro: a necessidade da pesquisa surgiu no final da tarde de sexta-feira e eu não podia deixar para hoje.

Fiquei até por volta de uma hora da tarde e quando terminei andei pela região central. Quando passei na frente do Solar do Barão, na Carlos Cavalcante, uma senhora de idade bem avançada, que me pareceu irmã gemea da Henriqueta Brieba, veio sorrindo na direção oposta. Ela parecia cansada e com aparência de quem ia dizer alguma coisa. Batata! Não deu outra. Parecia que ela precisava dizer para alguém com urgência: ‘Moço, deste jeito eu vou me derreter!‘ Eu pensei dizer que ninguém ia se derreter, que ela, eu e todo mundo ia virar um monte de torresmo na calçada, isto sim. Mas eu não ia dizer algo tão desagradável para uma velhinha.

Então disse: ‘Realmente está um calor insuportável, minha senhora‘. Grande frase. Fiquei satisfeito. Acho que nem Machado de Assis conseguiria dizer algo tão genial. A velhinha ficou contente com minha resposta. Ela ergueu o dedo indicador ossudo para o céu inclemente e disse como uma profetiza do Apocalipse, jogando praga na humanidade: ‘Deus perdoa, mas a natureza é implacável. Ouça o que eu estou dizendo, moço‘. Diante de algo tão eloquente eu apenas balancei a cabeça concordando e disse: ‘Realmente, a senhora tem toda razão‘. A velhinha foi em frente, arfando sob o efeito do calor acima da média a qual os curitibanos estão acostumados, mesmo nesta época do ano.

Eu continuei a caminhada, agora preocupado com o futuro do planeta e da humanidade. Embora no momento em que disse não pensei muito nas palavras, mas a verdade é que a velhinha tinha razão. Nós, humanos, já disse o grande filósofo popular Raul Seixas, somos para o planeta, algo análogo a pulga para o cachorro. E é notório que nós atingimos um estágio em que estamos incomodando o planeta. Se a gente começar a incomodar muito mais, o planeta vai começar a se coçar. E a gente vai se ferrar. Eu acho que esta é a interpretação vulgar para o enunciado apocalíptico da velhinha. Tem gente que diz que o aquecimento global vai acabar com o planeta. Eu sou leigo no assunto, mas eu acho que o planeta não vai ficar esperando a gente acabar com ele. E ele já está reagindo.

A temperatura não dispara apenas para cima – com altas temperaturas – mas também para baixo, com temperatura extremas nas regiões frias – e até mesmo em Curitiba, no inverno. Há quem aposte em novo resfriamento global, que criaria dificuldades extremas para humanos – e também para os animais -, principalmente na questão alimentar. Eu não sou cientista e não manjo deste departamento climático, mas numa coisa eu apostaria em que não estou errado: o homem aprendeu através das mais variadas expressões religiosas que Deus perdoa, mas ele não deveria esquecer que a natureza não tem a mesma vocação. E entre nós e ela, a natureza não vai pensar duas vezes, se é que a natureza pensa.

O estudo da evolução do planeta mostra que ele altera desde que esfriou e criou condições para a vida, ciclos que duram de milhares a milhões de anos. E cada ciclo funciona como uma colheita que tem início, meio e fim, para o começo de nova jornada – com novas sementes. Os dinossauros, aqueles cretinos truculentos, sabem de que eu estou falando. Não seria exagero, embora precipitado um leigo entrar nesta área, dizer que o homem com a sua infinita estupidez esteja nada mais nada menos que acelerando um ciclo que teria período de carência maior. Depois de pensar estas coisas, a minha volta para casa sob o calor inclemente foi opressiva. Eu me senti como quem teme que o mundo acabe antes de chegar em casa. Eu fui, como diria ,a velhinha, me derretendo pelo caminho até o São Lourenço.