De como a raça Chesterfield nasceu na quarta-feira de cinzas

Danton Westinghouse (na RG é Valdomiro Ferreira) há três meses e meio encontrou a cachorra marrom de olhos verdes na rua, quase morrendo, se apiedou dela e a levou para casa. E deu nome de Helen Maria. A cachorra tem pata dianteira direita torta, porque algum carro passou por cima. E é assustada de ser maltratada. Ela tinha um cacoete que os veterinários podem explicar melhor: toda vez que alguém chegava perto, tremia assustada, não saia do lugar e urinava. A impressão era que urinava de medo, porque tremia ao mesmo tempo.

Perguntaram minha opinião sobre o assunto e baseado em leituras de Sigmund Freud eu deduzi que ele e eu não teríamos nada a falar sobre o assunto porque quem entendia de cães era Ivan Pavlov que torturou algumas dezenas deles, até desenvolver a teoria do reflexo condicionado. Mas se fosse chutar eu diria que a cachorra ficou temporariamente em estado de choque. Foi o que bastou para uma amiga minha chorar e Danton Westinghouse aproveitar o vacilo e passar adiante a tutela de Helen Maria. Ele alegou que não podia ficar com a cachorra porque já tinha adotado outros dez cães – o que era verdade.

Mas havia problema ainda mais grave: Helen Maria gostava de pinto. E andou comendo vários pintos. Ela ameaçava deixar o galinheiro deserto. O curioso era que Westinghouse não batizava frangos, galinhas e pintos, talvez porque os comesse, mas dava aos cães nomes bonitos e míticos como Hermes, Platão, Eros e outros. Dai o nome da cachorra. Ele também escolhia nomes bonitos para ele e para o seu companheiro, Hilton Castanheiras, que passou a se chamar Rick Ronaldo. Bem, quanto aos cães, Hermes era o chefe, mas Eros era mais esperto. Hermes tinha aparência de falso pastor alemão, enquanto Eros tinha panca de Cocker spaniel. Na carteira de identidade os dois eram vira-latas.

Resumo da ópera: minha amiga levou Helen Maria para casa. E ela já tinha outros dois cães: Sardinha, que escapou de ser morta numa represa (o dono deu parte da ninhada e sobrou Sardinha para ele afogar). O outro cão era Bartolomeu, que apareceu um dia qualquer na porta da casa, ela abriu a porta e ele entrou. Ela deu a ele o nome de Ludovico, mas o antigo dono apareceu e disse que o nome do cão era Bartolomeu. Ele não se importou com a fuga do cão, porque tinha quarenta numa casa que parecia um canil. Bartolomeu é um Lhasa Apso meio relapso. Pelos negros, olho esquerdo estropiado, mas sobrevivente. Está velho.

Os dois estranharam Helen Maria, mas ela era tão estropiada, que eles acharam que não compensava complicar ainda mais a vida da coitada. Minha amiga programou castrar Helen Maria, assim como fez com Sardinha e Bartolomeu, quando descobriu que ela estava grávida. Ela me ligou de madrugada: “Um daqueles cães com nomes mitológicos de Westinghouse se aproveitou da coitada”. Ela disse que estava morrendo de ódio de Hermes, que por ser o chefe era o suspeito do que ela chamava de estupro da estropiada. “Ele me paga”, disse ela, como ele fosse um tarado.

Terça-feira de Carnaval, duas horas da tarde, Helen Maria ficou enjoada. Minha amiga achou que ela ia morrer – Helen Maria, claro. Ela encostou num canto, gemeu, ergueu o corpo, fez força e saiu um negócio gosmento pela retaguarda: era um filhote. Poucos minutos depois, veio outro. Até às 3 horas da madrugada de anteontem Helen Maria foi jogando filhotes no mundo. Oito. Chegou uma hora que ela não aguentava nem abrir os olhos. E todos os filhotes com a cara de Eros. O danado foi mais rápido que Hermes. Danton Westinghouse ficou chocado. Não por Helen Maria, mas porque Rick Ronaldo o abandonou no sábado de Carnaval, depois de longos anos de convivência e fugiu com um loiro de olhos azuis para Joinville. Os cães ladram, a caravana passa e Westinghouse se descabela. Minha amiga já deu mais de vinte telefonemas oferecendo filhotes de Helen Maria. No desespero ela diz que os cães são de raça. Quando perguntam a raça ela diz que é rara, que é Chesterfield. Tem gente interessada porque o nome é chique.