As chances de uma mulher se interessar por alguém do sexo oposto que corre solitário na pista de um parque são próximas de zero. Ninguém vai lá para paquerar e sim para perder gordura ou manter a forma. Mas se o sujeito estiver com um cachorro e se o cachorro for simpático, as chances de conversar com alguém aumentam consideravelmente. Claro que isto não tem fundamento científico e se trata de uma conclusão empírica a que o Johnny chegou depois de muito passear no parque com a sua cachorra. E para a conclusão ser ainda mais correta, é necessário acrescentar que as mulheres, neste caso, não estavam interessadas em Johnny, mas no animal que ele levou para passear. Foi assim que Johnny conheceu muitas pessoas. E foi assim que ele conheceu Leila Martini.

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O nome Leila é de origem árabe e significa “negra” ou “negra como a noite”. E o sobrenome Martini é italiano e existe desde o século 5. No entanto, a Leila em questão não é uma coisa nem outra. Os avós eram bielorrussos e vieram para o Brasil entre as duas guerras mundiais do século passado. E o nome Leila foi escolha de sua mãe em homenagem à atriz Leila Diniz. O Martini foi emprestado do marido, de origem italiana. Leila era morena, de olhos azuis, o que é normal em pessoas do leste europeu. Tudo isto Johnny soube ao longo de meses e anos que encontrou Leila ou na ciclovia ou no interior do parque, quando ela se abaixava para admirar a cachorra e falar algumas palavras com o animal. Para não parecer descortês, falava com Johnny sobre ela mesma. Ele foi juntando pequenos pedaços de conversa e formou um perfil de Leila, como num grande quebra-cabeça.

Nada disso tem relevância porque as conversas não foram além do trivial e do civilizado. No entanto, um dia em que Johnny saiu com a cachorra e rapidamente voltou para casa, porque ia cair um temporal, ele resolveu retornar sozinho para o parque, embaixo de chuva. Queria ver o parque sob o temporal. E para surpresa dele encontrou alguns gatos pingados se esbaldando na chuva. Eles corriam felizes como crianças. Se a ideia de ir ao parque com chuva já parecia bizarra, achou ainda mais bizarra a ideia de correr no parque com chuva e tudo. Ele ficou parado observando-os. Um sujeito que corria e viu ele ali parado, parou de correr. Ele olhou e disse: “Não tem coisa melhor para o espírito do que correr na chuva. Lava a alma”. Ele parecia feliz. E não era apenas a alma que estava lavada. O corpo inteiro estava sendo lavado. Sem contar que ao chegar em casa ele nem precisaria tomar banho para tirar o suor.

Johnny olhou para a ponte do parque e previu que se a chuva continuasse naquele ritmo, não ia demorar para o lago transbordar. E isto já aconteceu outras vezes. Laurindo Linhares, que sempre está no parque, também corria. Ele foi em direção de Johnny, parou disse: “Eu acho isto uma doideira. Mas fazer o quê? É necessário”. Johnny perguntou por que era necessário e Laurindo explicou: “Se eu parar com as minhas caminhadas diárias, as minhas pernas ficam duras. E como eu me acostumei a correr com chuva ou sem chuva, para mim não faz diferença. Eu chego em casa tomo um banho quente e depois tomo um chá quente e tudo fica na mais perfeita ordem”.

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O certo é que Johnny não se impressionou com aqueles tipos. Ele ficou boquiaberto mesmo quando viu Leila Martini parecendo uma ninfa flanando na pista molhada. A chuva deixou a roupa colada no corpo e embora devidamente coberta pela roupa, ela estava sensual embaixo da chuva. Johnny exclamou: “Até você aqui com esta chuva?”. Ela parou ofegante e perguntou pela cachorra. Johnny disse que ela ficou em casa. Ele repetiu a pergunta, agora usando outras palavras: “Você também precisa correr debaixo de chuva?”. Ela sorriu e disse: “Pelo amor de Deus, você não vai contar para ninguém que me viu aqui, não é?”. Em seguida acrescentou: “Eu gosto de correr na chuva, mas meu marido não sabe. Não fale para ninguém se não a casa cai. Ninguém pode saber que eu estou aqui”, disse. E voltou a correr. Johnny ficou olhando Leila sumir na pista entre as árvores. Ele pensou que correr na chuva tem seus mistérios.