Se dependesse do professor Marcondes, o Coritiba seria campeão sempre – ninguém mais. Torcedor é insaciável e mais que ser feliz, sofre. Ninguém sofre mais que o Marcondes. Ele exagera. Mas torcedor de verdade exagera. Agora, está sofrendo porque o Coxa não foi pentacampeão. Parece até que o time vai acabar – parece que nunca foi campeão na vida. É tão exagerado que diz com a maior cara de pau: “Eu me apaixonei por várias mulheres, mas o Coritiba é a única paixão que não sai da minha vida. Entre eu o Coxa não tem divórcio”. Dia de jogo, vai para a escola com camisa Coxa e a bicicleta sagrada – ele odeia carros – verde e branca.

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,3Ele não percebe, até no trato diferencia dois tipos de alunos: os que torcem para o Coxa e os outros. E se comenta o jogo no dia seguinte, melhor. Mas como o mundo não é perfeito, ele tem um aluno – Barcímio Andreotti, nem precisa dizer que o pai é atleticano – que torce para o Atlético e que botou na cabeça que vai colar no Marcondes a pecha de pedófilo – só para o professor se ferrar. Ele tem um plano B que é levar o velho à loucura – ou a um ataque dos nervos. O que vier primeiro está de bom tamanho. Os dois disputam um Atletiba diário. O bicho pega não é no dia de prova, é na segunda-feira depois de um Atletiba. Um dos dois sabe que vai sofrer.

Em caso de vitória, Marcondes faz estilo superior, de quem está no paraíso e não vai descer do pedestal por causa de Barcímio. O aluno já parte para um estilo agressivo: azucrina sem piedade, bota o dedo na ferida. E Marcondes arrepia: “Cala a boca, demônio, se não eu te estrangulo”. A cara do velho é a de bárbaro; as mãos crispam como segurassem machado sujo de sangue. Funciona. Mas tem efeitos colaterais. Barcímio fica mais fera e determinado em vencer o adversário. Ele não é de levar desaforo para casa. O diretor, que foi aluno de Marcondes há 30 anos, já tentou acalmar as coisas: “Professor, não fala assim. O senhor vai ser processado. Vai me complicar e complicar a escola. Se Barcímio grava e joga no Youtube, estamos ferrados”.

Marcondes abaixa a cabeça, diz: “Você está certo”. Na semana seguinte faz tudo de novo. Se ele não arrepia, quem arrepia é Barcímio. A cabeça do cara está sempre pensando num plano para derrubar o Velho Clorofila, como chama Marcondes por sua mania de usar verde. Barcímio contou para Diogo, que é paranista, seu novo plano. O velho ia ter enfarte ou ia parar na cadeia. Diogo indagou: “Não vai dizer que você não desistiu do Plano Pedofilia?”. Barcímio disse que não. E que ia ganhar a parada com arma alviverde. Ele comprou num sebo da cidade o livro dos helênicos sobre o Coxa, embrulhou em papel de presente. O velho faria qualquer coisa por aquilo.

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Barcímio convenceu a Francielly, bonita e sem juízo, a usar saia curta, meias brancas, camisa branca de tecido fino. O negócio era atacar em diagonal. Ou o velho saia da área ou seria encurralado dentro dela. Diogo se arrepiou. Barcímio contava com o impacto emocional para desestabilizar o velho. “Ou ele tem um troço ou ataca a Francielly”. Era vitória simples ou empate. Ficaria filmando com o celular através da janela. Para flagrar o eventual ataque. Ia direto para o Youtube. Francielly fechou a porta, conversou com o Marcondes. Ela estava um arraso. Marcondes olhou a camisa branca através da qual via o que ela devia proteger e ficou arisco. Ele pegou e abriu o pacote desconfiado. Ele sentiu cheiro de mutreta.

Ele leu bilhete: “Ao mestre com carinho”. E folheou o livro. Não entendeu o que Francielly tinha com aquilo. Balançou a cabeça. Tudo pareceu simples, amistoso. Ele sentou na cadeira, levou a mão direita aos olhos e chorou. Chorou como criança. Sentia-se crápula de suspeitar de seus alunos. Por fim, ele levantou a cabeça e disse: “Você sabe fazer um velho feliz, querida”. Francielly até hoje não sabe o que ele quis dizer com aquilo. Barcímio deu um soco na parede. Marcondes ficou mais sensível e tolerante. Barcímio não desistiu.

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