Eu caminhava em pleno meio dia pela Praça Tiradentes quando uma senhora que eu julguei distinta se aproximou com belo sorriso e me entregou um papel. Era um reclame e por educação eu peguei, embora saiba que nestes casos de panfletos entregues na rua, em noventa por cento dos casos são coisas que não interessam. Pelo menos interesse imediato. Andei alguns metros, li e me assustei, mais pela expressão de pessoa distinta da mulher que me entregou do que pelo conteúdo. Era um reclame de garota de programa. Fiquei pensando se a senhora com aparência de pessoa distinta era cafetina, empresária da moça ou se ganhava, como qualquer outro de nós, o seu sustento, no caso dela entregando reclames nas ruas, um trabalho honesto como qualquer outro.  

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Enquanto esperava o Barreirinha no ponto ao lado da Catedral, eu abri o papel mais uma vez, para saber com exatidão do que se tratava. O nome da garota era Talita. As prostitutas recorrem aos nomes mais variados, como se o artificio encobrisse o ofício que exercem. Se Talita fosse a moça da foto do panfleto, o que me pareceu improvável, era uma bela rapariga. Que presta serviços de natureza sexual mediante pagamento a partir de 30 reais por meia hora, com direito a cerveja de brinde para o cliente. Eu cogitei se a cerveja era bebida antes ou depois do serviço principal. Curiosidade tola, mas me ocorreu no momento.  

Dois detalhes me atraíram. Primeiro, o aviso: aceitamos cartões. Eu já fora informado de que qualquer atividade mercantil hoje em dia recorre ao uso do cartão bancário. Tem máquina de cartão bancário nos prostíbulos mais decadentes do centro da cidade. Presumo que as donas do Passeio Público carregam uma máquina de cartão bancário em suas cintas ligas. Navalha na liga é coisa do passado. Segundo: tempo integral da atividade. Talita atende 24 horas por dia. Olhei de novo a foto: que hora a menina dorme? E conclui que Talita é nome de fantasia. Qualquer garota de plantão no outro lado da linha é Talita.  

Finalmente, eu joguei o panfleto no lixo, peguei o busão e fui almoçar. Quando voltei para o jornal por volta das 15 horas, passei pela Rua XV e um senhor que parecia pai ou tio de menina indefesa me entregou outro pequeno panfleto. Ele me agradeceu o fato de eu pegar aquilo com certo interesse e quando fui ler era outra propaganda de garota de programa. Este já era de uma instituição chamada Garotas Kalientes. Com K. Já que decidiram usar o K, podiam pelo menos chamar de Garotas Kentes. Três telefones atendem de segunda a sábado, das 8 às 22 horas. Detalhe: local discreto e central. Eu nunca soube de prostíbulo discreto, ainda mais no centro da cidade.

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No fim da tarde, depois do trabalho, eu esperava na fila o Mateus Leme para voltar para casa – porque a fila do Abranches estava longa -, vi no chão outro pequeno panfleto. Minúsculo. Tipo canhoto de folha de cheque. Eu peguei para saber que tipo de oferta iria encontrar desta vez. Era um recado da Paty. Com foto. Que o panfleto garantia ser foto original dela. Com a descrição: um escândalo de gatinha, corpo de modelo, olhos verdes e o escambau. Paty, com aquele corpinho e tudo atende 24 horas. Prazer em tempo integral. Outra menina que não dorme. Como no caso de Talita, Paty não é a Paty.   

A profusão destes anúncios me fez pensar que se as prostitutas e uma série de outras atividades recorrem cada vez mais às velhas mídias como o panfleto, anúncios em jornais, para ficar nas mais usadas, é sintoma de que a internet não produz a eficiência de outros tempos e as velhas mídias são mais efetivas e produzem melhores resultados. Quando a internet apareceu, a prostituição foi o primeiro setor a se aproveitar do novo meio de comunicação de forma até abusiva. Um furor. Havia portfólio e tudo. Um esquema que, aparentemente, perdeu força. A internet hoje funciona mais como telefone sofisticado. E não resolve tudo. Há certo cansaço da internet. O e-mail ficou caótico: é impossível ler tudo que recebe e se for conferir tudo, não se aproveita 10 por cento das mensagens recebidas. O resto é dispensável. Tédio e perda de tempo. E não surpreende. Depois de certo tempo, como aconteceu ao rádio e com a televisão, ela iria conviver com outras mídias, sem ,abdicar de sua importância. Talvez seja isso que timidamente começa a ocorrer.

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