As aparências enganam até porteiro de hotel bacana

O engalanado Raimundo Ribeiro trabalha de porteiro num hotel bacana. Por ele usava quepe, farda e dragonas, como porteiros de hotéis europeus até os anos 60. Mais cheios de estrelas que general americano. Esta mania de Raimundo por aparência por pouco custou o emprego. Ele não levou em conta que “as aparências enganam”. E seguindo a cartilha do estabelecimento ele barrou um sujeito quase maltrapilho, perneta, velho e desdentado que entrou no hotel e foi direto para o elevador. “Vou para o nono andar”, avisou o sujeito. Raimundo pegou-o pela gola da camisa e disse: “Você vai é cair fora daqui mais rápido do que pensa”. A muvuca estava armada.

O gerente entrou na história e conferiu que o sujeito era esperado no nono andar. E a coisa abafou. O gerente não despediu Raimundo porque achou que ele fez a coisa certa. Aquele tipo era indigno de se hospedar no hotel e só foi admitido porque a hóspede o queria lá em cima. Aí entra outro velho ditado: “A cliente sempre tem razão”. Raimundo ficou tão zureta com o episódio, que investigou a procedência do indivíduo, embora não tivesse nada com o caso e qualquer resposta não lhe seria útil para nada. Ele começou com a portaria onde o cara deixou nome, documento e endereço. Raimundo descobriu que o cara se chamava Gaspar Rydz-Smigly. Nome chique. Sobrenome de marechal polonês.

Rydz-Smigly tinha 58 anos e morava em Antonina. Raimundo localizou o sujeito numa rede social. Era divorciado, aposentado e perdeu a perna num acidente no final dos anos 90, quando trabalhava para um bacana do Bamerindus. Era para ficar estropiado, mas os médicos enxertaram osso aqui e ali e ele ficou com a perna operacional, porém não muito sensual. Parecia escultura expressionista e funcionava bem. Pelos comentários na rede social, Raimundo deduziu que o cara não era endinheirado, mas não era pobre coitado. Era metido a pintor e fazia marinas na Ponta da Pita, que vendia para turistas. Ele gostava de pescar em alto mar com os amigos.

No plano afetivo, Rydz-Smigly procurava garotas na internet. Garotas eram mulheres com idades entre 20 e 60 anos. Como bom pescador, o que caia na rede era peixe. E foi assim que ele pescou Priscila Cristina, mulher carente de fazendeiro de Palmas, Tocantins. Era a dona do nono andar. Ela veio encontrar-se com o tipo em Curitiba, a quem chamava de “fofo sensual”. O cara do táxi que trouxe Rydz-Smigly contou que a ela pagou grana preta para ele ir buscar o “fofo sensual” em Antonina. Ele ficou três dias e três noites no hotel com a dona, refeições no quarto, sem contar o café da manhã no restaurante.

No fim do terceiro dia, Rydz-Smigly desceu, pegou o táxi e foi embora. Priscila Cristina fechou a conta. Raimundo observou a dona: tinha 50 anos, morena, corpo escultural, parecia a Sofia Loren, que, aliás, é prima distante de um amigo meu de Londrina. O que uma dona daquela fazia no quarto com um sujeito velho e estropiado, perneta e desdentado? Raimundo colocou o emprego em risco e perguntou para ela. Priscila Cristina fez menção de ficar ofendida, mas sorriu. Tirou óculos da bolsa, colocou no rosto e disse: “Sabe querido, você talvez ainda seja jovem demais para entender algumas coisas. Mas ele fez tudo certo. Eu não me arrependi”. Raimundo ficou perplexo.

Havia mais entre o céu e a terra do que supunha a sua vã imaginação. Foi com esta angústia na alma que eu o encontrei no Bar Stuart. Ele queria resposta e eu lhe dei esta: “Se preocupe menos com as aparências e dê mais atenção à essência”. Não sei se era exatamente aquilo, mas achei bacana. E para arrematar, eu sugeri para ele ler Dostoiévski. Era um bom cara para ele começar a entender um pouco a natureza humana. Eu ia sugerir Wittgenstein, mas não quis exagerar na dose. De uma coisa Raimundo nunca vai se esquecer: “As aparências, estas malditas, sempre enganam”.