Amigos de copo, mas não muito!

“Mãe,  mas como ela  é linda!” A declaração de amor vinha sempre em alto e bom som, para todos os vizinhos – até os mais distantes -, escutarem tranquilamente. Quando batia o sentimento, podia saber que Sérgio Boi já estava mais pra lá do que pra cá. Nunca soube o sobrenome, mas o “Boi”  foi incorporado graças a potência das cordas vocais de Sérgio, que ficavam mais poderosas na medida que enxugava umas e outras.

Ninguém sabia quem era a musa de Sérgio. E a mãe estava sempre presente em seus diálogos, embora nunca fosse possível ouvi-la. Os mais espirituosos diziam que era analogia perfeita com o filme Psicose, o clássico de Alfred Hitchcock, em que se o sujeito tinha uma situação muito mal resolvida com a genitora.

Não era o caso de Sérgio Boi. Bebia bastante, mas nunca se tornava violento. O único problema era a síndrome de alto-falante que baixava no homem. Era engraçado e inevitável ouvi-lo mobilizando os companheiros de copo para o happy hour, que acontecia a qualquer hora do dia por repetidas vezes: – Deixei uma pinga paga lá  pro Laranja. Pro Joce não, porque ele só toma vinho!

Laranja ganhou o apelido por trabalhar numa mercearia, carregando frutas.  Os vizinhos já sabiam quando ele recebia o pagamento. Voltava para casa “cercando ganso”, como diz o ditado, mandando ver num garrafão de cinco litros de vinho. A prova cabal da existência do anjo da guarda, sem dúvida era o fato dele chegar ao destino ileso. Assim como era um milagre ainda maior que aquela jornada etílica não resultasse em coma alcoólico.

Também moravam próximos os integrantes do time de Lúcio Flávio. Eram tomadores contumazes. Tinha o “Mão”, um cabeludo que vivia de fazer bicos. O cara era alto, perto de dois metros e tinha patas enormes, daí o apelido. A trupe era formada também por Arlindo, cujo nome soava mais como um deboche, e o Divino: sem comentários.

Bebiam tanto que assustavam o Seo Tito, dono do bar. – Vocês  já tomaram mais de uma caminhão de pinga, provocava. O lugar era um misto de boteco e mercearia e Seo Tito tentava mostrar alguma responsabilidade social, porque o grosso do seu lucro vinha da venda de mantimentos, frutas e verduras. E esta clientela não gostava muito de esbarrar com aquele bando de cozidos. Mas não tinha jeito.

A vida social daquela turma era encostar no balcão e tirar o pó da goela. Embora se conhecessem há anos, eram praticamente desconhecidos porque nunca estavam sóbrios. Uma história narrada pelo próprio Lúcio Flávio ilustra bem o grau de confiabilidade que tinham um no outro.

Dizia que certa vez estavam no boteco da Ruiva entornando umas e outras. Em dado momento, Divino saiu para tomar ar fresco. Logo depois saíram também Lúcio Flávio e em seguida vieram o “Mão” e o Arlindo. Quando Divino viu a turma toda ali fora, tratou de vazar. Desatou a correr e quanto mais os companheiros acenavam para ele estupefatos, mais o homem corria. Lúcio Flávio chorava de rir ao contar a história. Soube mais tarde que Divino pensou que a turma iria dar-lhe uma surra e por isso deitou o cabelo. Mas tem que dar um desconto para o rapaz:  naquele momento é bem provável que ele já estivesse vendo tudo dobrado.

* Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.