Eu levantei ontem de manhã e como sempre peguei a minha Cocker Spaniel para ir ao Parque São Lourenço. No caminho pensei em escrever sobre o lamentável anúncio de meu amigo Luiz Chuveirão, de abandonar o violão e colocar o instrumento à venda. Na mesma declaração, ele comunicou que agora se dedicará ao piano. Num decreto-lei pessoal trocou Baden Powell por Frédéric Chopin. Até então a única afinidade dele na área era com o chopinho e não com o Chopin. Tudo bem. Eu me acostumei com a ideia de ouvir um recital de violão quando fosse a Londrina, tenho agora de me acostumar a um concerto de piano. Não para breve.

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Eu pensava que talvez este abandono não merecesse divulgação tão ampla, afinal de contas estamos falando de um sujeito reservado e discreto, além de elegante. Estava imerso nestes pensamentos e dúvidas, quando encontrei Akira Watanabe, que como o nome indica, é japonês, embora eu conheça um menino que não seja japonês e se chama Sakamoto, filho de polonês com alemã que fez teatro na FAP e jurou que seu primeiro filho homem teria este nome. Mas esta é outra história. Watanabe corre como um torpedo em todas as manhãs ao redor do lago do parque São Lourenço. São de cinco a dez voltas. O resultado do esforço está no físico: nadica de gordura. Quando cheguei, ele fazia alongamentos. Ele me cumprimentou e deu a notícia: “Lucca Fiorani morreu!”.

Eu não soube como reagir. Fiquei em silêncio, olhei para o chão e depois respirei fundo e perguntei como estivesse chocado: “Morreu de quê?”. Watanabe: “Osório disse que ele tomou um uisquinho, foi dormir e horas depois estava morto”. Eu disse: “Pelo menos não sofreu”. Watanabe concordou. A conversa parou ali. Ficamos sem o que dizer um para o outro. Eu sem saber se ia embora com a cachorra. E achando que seria indelicado sair no meio de conversa sobre a morte de conhecido que vez e outra aparecia no parque. Era pessoa bondosa, nos cumprimentava com doce sorriso e sempre tinha palavra gentil para cada um, até para a cachorra. Ele se dobrava e passava a mão na cabeça do animal, que gostava do afago. Eu respirei fundo mais uma vez e disse: “Fazer o quê? Se tem coisa certa na vida é a morte”. E, depois, ia continuar o passeio.

Watanabe olhou para os lados, como olhasse o tempo e fosse perguntar se ia chover – a manhã estava cinzenta e fria. Ele disse: “Ele era mafioso!”. Eu pensei não ter ouvido direito: “Eu não entendi”. Watanabe disse agora baixo, sussurrando: “Ele era um velho mafioso. Estava escondido em Curitiba porque foi jurado de morte na Itália. Todo mundo achava que estava em Nova York ou Chicago”. Aquilo foi um choque maior que o anúncio da morte do Sr. Fiorani e do que a notícia do Chuveirão, de abandonar o violão. O Sr. Fiorani com aquela cara de santo era mafioso? Watanabe disse que era. Eu quis saber como ele soube e ele disse que foi Osório quem contou. “Osório também é mafioso?”, perguntei. “Claro que não! Ele era amigo do Fiorani”.

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Mas eu não sabia se acreditava. De qualquer forma, pensei em evitar Osório, ainda que ele me olhe com uma cara estranha. Watanabe disse que terminara de correr no parque e que ia embora. Então, finalmente, ele fez a pergunta que todos fazem em Curitiba: “Será que vai chover? O tempo está cinzento”. Eu respondi o que todos respondem: “Provavelmente. O tempo está cinzento”. E fui andando perplexo. O parque estava num quase silêncio. Ouvia-se esporadicamente um estridente Quero-Quero quando alguém passava à beira do lago perto do ninho com seus filhotes e mais longe o ruído de motores de caminhões na Mateus Leme. Por isso, parecia que eu ainda ouvia a voz do Sr. Fiorani ao meu lado, com forte sotaque italiano: “Que cão lindo. Eu tinha um deste. E você cuida muito bem dele. Você é um bom rapaz!”. Era um velhinho simpático. O Sr. Fiorani não tinha nem neste e nem no outro mundo a voz de um mafioso. Era a voz de uma pessoa distinta e muito boa.