Os motoristas de táxi são pessoas, quase sempre, com grande senso crítico. Eles são uma espécie de observadores em tempo integral do que se passa pelas ruas da cidade – tanto nas áreas centrais, quanto nos bairros distantes. Eles têm um profundo conhecimento da natureza humana. Talvez porque tenham que ter paciência para lidar com os outros durante o dia inteiro – todas as pessoas que são pacientes e encontram tipos folgados pela frente sabem que não é fácil. Um motorista de táxi é também um guia da cidade. Conhecem os problemas da cidade mais, por exemplo, que a maioria dos vereadores.

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Claro que esta é uma teoria. Mas uma teoria que retiro de algo chamado empirismo. Vejo e ouço tantos vereadores falando coisas que tem um remoto interesse e ouço tantos taxistas falando coisas sensatas que a conclusão só pode ser uma: os motoristas de táxi são mais espertos e antenados aos problemas da cidade que os vereadores. Vou dar um exemplo. O motorista Oduvaldo Serafini que dia deste me conduziu do centro da cidade para o São Lourenço. Ele mora na Barreirinha e trabalha com táxi há catorze anos. Enquanto me levava para casa foi me apontando o que ele via pela frente, sempre com senso crítico. E tudo o que falava fazia sentido. Mais que isso, não fazia sentido o poder público não perceber aquilo.

O táxi ia pela Rua Nilo Peçanha, sentido centro-bairro. Chegando perto do Condomínio Castel de Verona, Serafini observou irônico: “Agora nós vamos entrar no melhor trecho de asfalto desta área. Olha a maravilha que é o asfalto na frente do condomínio”. Eu não tinha percebido, embora tenha passado várias vezes pelo local. Algo óbvio. Aquilo não era asfalto, era um tapete. E que me lembre, sempre foi assim. O taxista fez seu comentário técnico: “Não tem ondulação, coisa fina, até o carro se sente bem. Repare que o carro não corre, ele desliza”. Era verdade. O táxi parou de dar solavancos. O curto trecho foi superado e o táxi voltou a sacolejar. Não eram sacolejos assustadores, mas era óbvio que a qualidade do asfalto na Rua Mateus Leme não era a mesma do pequeno e maravilhoso trecho na frente do Castel de Verona.

O motorista disse: “Sabe por que a diferença?”. Eu não sabia. E não fiz nenhuma aposta para não me parecer imbecil diante deste conhecedor das ruas da cidade, que é o motorista de táxi, no caso de falar algo que fosse diferente de uma opinião abalizada. Ele respondeu: “Porque, meu camarada, aí só mora bacana. Uma casa desta custa por volta de 2 milhões e meio”. Eu pensei que fazia sentido. Ainda que não fosse exatamente isto, fazia sentido. Oduvaldo Serafini arrematou com a certeza de que sabia o que falava: “A melhor coisa no Brasil é ser bacana”. Eu fiquei quieto. Sim, ele tinha razão. E a gente foi em frente. Quando o táxi chegou na rua da minha casa, o motorista deu uma risada estranha, debochada, humilhante.

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Pensei que estivesse maluco – ou pior, que resolveu fazer escárnio. Mas ele olhou para mim e disse: “Pela rua a gente vê que o senhor não é um bacana”. Eu respondi meio envergonhado, que entre minhas poucas virtudes não se encontrava esta: “Eu não sou um bacana”. Mas perguntei o motivo de sua conclusão óbvia. Ele sapecou: “A sua rua parece um queijo suíço, moço. Está na cara que nesta rua não mora um bacana. Só gente normal”. Eu dei um riso envergonhado. E pensei que o filho da mãe do motorista de táxi tinha razão. Faz mais de dezesseis anos que moro na mesma rua. Ela continua cheia de buracos ocasionalmente remendados, como aqueles pneus velhos dos carros velhos. Talvez um queijo suíço não tenha tantos buracos, remendos e irregularidades quanto a rua de minha casa. A minha esperança não é o poder público tomar iniciativa. A minha esperança é um bacana resolver morar na minha rua. Porque, aí, ele vai mandar, o mundo vai se mexer e minha rua vai ficar bonita. É assim que o Brasil funciona. O motorista de táxi, este sábio que sabe tudo, sabe também disso. E isto acontece não apenas com a minha rua.