Um amigo bacana, mas inescrupuloso com as mulheres, se meteu numa enrascada e me pediu para conversar com Lorena Drummond, por quem disse morrer de amores. Ela ficou nervosa por qualquer coisa e quase passou por cima dele com seu Mini Hatch vermelho 2000, de teto branco e duas faixas brancas sobre o capô. Ele sobreviveu, mas ainda gostava da dona. E queria reaproximação. Eu respondi que não entrava nesta área, mas como ele não era macaco gordo e mesmo assim me quebrou alguns galhos, eu não tive como recusar. Nenhuma gentileza é de graça, já dizia uma amiga bonita e gostosa. Eu concordei e ele me ameaçou: “Não vai dar em cima dela! Se você tentar alguma coisa eu sou capaz de fazer uma loucura.” Era o que faltava. Achei tempo livre e fui para as proximidades da Praça da Ucrânia falar com a dona.

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Foi um perereco ser recebido, principalmente quando ela soube que eu era amigo do fulano e qual o objetivo da visita. Depois de muito bico doce e com o porteiro quase me botando para fora do edifício, ela aceitou me receber. Sétimo andar. Vista bonita para o centro da cidade. Quando ela abriu a porta eu entendi o temor de meu amigo: Lorena Drummond era uma autêntica ruiva alta e esguia de fechar o comércio. Eu entrei no apartamento eu prometi que não daria passo em falso. Isto significava que não ia dar em cima da dona, mas se ela desse mole, meu amigo que fosse pra cucuia, que a carne é fraca e todo santo tem seu dia de canalha. Eu esperava que o meu fosse aquele. E também esperava não me decepcionar.

Meu coração bateu mais rápido quando ela, sem perguntar, serviu uma dose de uísque e me passou o copo. Pediu para eu sentar e sentou na minha frente e foi disparando: “O que aquele canalha quer?”. Respondi: “Ele me pediu para eu te dizer que ele está muito arrependido, que te perdoa por tentar passar por cima dele com o carro, e quer de você outra chance. Resumindo, ele está pedindo arreglo”.

Se eu dissesse a ela que Marte é deserto e açoitado por fortes ventos ela não teria ficado mais indiferente. E me disse que não tinha acordo, que era eu para falar para o meu amigo sair da aba dela e que entre eles o caso estava encerrado. The end. Eu quis saber a razão de tanta fúria e ela me contou que o canalha de meu amigo mandou carta para a amiga dela, tentando seduzir a dona. “Até aí tudo bem”, disse ela. Quando ela disse aquilo eu me arrepiei. A coisa devia ser pior. Ela contou que a amiga mostrou a carta. “O seu amigo, aquele canalha, disse para minha amiga, que eu era apenas uma garota de companhia e não a namorada dele. Com um detalhe: garota de companhia entre aspas. E que nosso caso era passageiro. Com um detalhe: caso entre aspas. E que gostava mesmo era de nossas conversas na cama. Com um detalhe: conversas entre aspas”.

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O caso era complicado. O cara pisou na bola uma vez quando tentou conquistar a amiga de Lorena. Pisou mais uma vez quando mandou a carta – aquilo era documento, só otário faria -, e pisou uma terceira vez com todas aquelas aspas estúpidas. Eu não podia fazer nada, a não ser que Lorena Drummond tivesse alguma ideia melhor para nos dois. Ela me olhou com olhos marejados e confessou: “Eu odeio que falem comigo entre aspas. Quando eu era mocinha eu gostava de um professor e um dia ele disse que eu era a melhor aluna da classe. E depois fez aquele sinal significativo com os dedos indicador e médio das duas mãos e disse: entre aspas. Desde então eu odeio aspas”. Eu tentei ser elegante: “A senhorita tem razão. As aspas são muito inconvenientes”. Ela limpou as lágrimas e disse: “O senhor me entende?’ Eu disse que sim, quase me oferecendo para eliminar todas as aspas da cidade se fosse o caso. Mas ela se levantou e ficou na minha frente, com aquele par de pernas parecendo duas longas aspas lindas e eu percebi que tinha que cair fora. Antes de sair, eu me virei, para olhar pela última vez as pernas de Lorena Drummond. Tirei os olhos das pernas, mirei o rosto dela e disse: “Os jacarés tem razão minha querida. Eles comem as aspas”. Finalmente ela sorriu e disse: ‘O senhor é muito gentil’. Ela me deu um beijo no rosto, eu senti o perfume dela, mas foi tudo o que aconteceu. Quando eu saí do elevador, o porteiro me olhou assustado. Era visível que eu estava com uma grande ternura. Ternura entre aspas claro.