Foi no primeiro semestre de 1970 e eu tinha dezoito anos. Peguei ônibus da Viação Garcia às 21 horas. Levei um susto quando cheguei à estação do Guadalupe: eram 3 da madrugada. Fazia mais frio do que a Sibéria no inverno. Eu vim prevenido, com um casaco grosso que comprei nas Lojas Prosdócimo. Mas aquele casaco parecia de papel perto do frio que não respeitava casaco, camisa e entrava pelo meu peito e saia do outro lado, que nem faca amolada. Fui respirar e minha boca parecia locomotiva fumacenta. Minha primeira reação assustada foi pensar: “Eu vou morrer de frio”. De qualquer maneira, tentei ser otimista: se sobreviver nas próximas três horas eu não morro.

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Eu tinha que ir para o Juvevê e não sabia onde ficava este tal Juvevê. E não podia perguntar por que não tinha ninguém na rua. O sujeito no guarda-malas me olhou com cara de tédio. Eu perguntei: “Moço, onde fica o centro?” O sujeito nem abriu a boca: ele apontou para noroeste. E fui andando encolhido para o centro da cidade, que nem Dr. Jivago nas ruas de Moscou, divagando sobre a vida. Até que vi um pedaço da igreja. Fui naquela direção. A igreja era grande e bonita. Eu me encolhi todo e esperei o dia raiar.

Quando o dia raiou, eu olhei o lugar. Era Curitiba. Lugar de gente silenciosa. Lugar que me parecia diferente de qualquer cidade europeia, como Paris, Berlim ou até Moscou. Foi a cidade mais estranha que conheci. Quer dizer, eu conhecia as cidades europeias dos filmes e nas revistas Manchete e Cruzeiro. Curitiba para mim era um mistério. Às vezes eu me maravilhava: fiquei encantando com as moças indo para as escolas logo de manhã. Eram bonitas, de bochechas vermelhas, loiras, alegres, morenas charmosas, uniformizadas. Usavam saias plissadas azuis, meias brancas e camisas brancas, com blusa azul por cima. Muitas com fitas no cabelo, outras com cachecóis.

Minha cidade tinha moças bonitas – mas aquelas eram do quintal do vizinho, que como diz o velho ditado, é sempre mais verde. Finalmente eu descobri como ir para o Juvevê. Encontrei amigos que me ciceronearam. Fui ainda de manhã à Escola Técnica Federal do Paraná. Quando eu cheguei levei dois sustos: primeiro fui recepcionado elegantemente pelo professor Braulio Zanotto. E, segundo, aquilo não parecia escola brasileira. Parecia coisa de americano. Tinha até ginásio de esportes coberto, com quadras com piso de madeira. Tudo coisa de primeira. E, mais uma vez, aquela mulherada bonita.

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Aquilo, para mim, era luxo que eu só tinha visto no cinema. Zanotto era juiz de futebol. Ele me tratou tão bem que algum tempo depois alguém o chamou, injustamente ou não, de juiz ladrão e eu o defendi como fosse meu irmão. Nunca vi ninguém defender juiz de futebol. Eu fiz isso. Depois voltei para o centro da cidade. Naquele tempo a Rua XV era uma rua e não passarela de pedestres como hoje. Havia cinemas em suas proximidades e um dos mais confortáveis era o Cine Condor. De tarde eu tratei de cuidar de algumas encomendas de amigos de Maringá. Eles queriam um produto de Curitiba que estava fazendo o maior sucesso em todo o Brasil: batida de maracujá. Aquele negócio valia o peso em ouro na minha cidade.

E para mostrar que eu era escolado, eu também levei garrafas de outros sabores: coco, pêssego e manga. Na volta fiz mais sucesso do que estivesse anunciando meu casamento com Susanne Pleshete, uma de minhas musas daqueles dias. À noite sai com amigos. Eles me emprestaram uma blusa para eu usar sob o casaco. Fui num bar perto da Federal, onde um sujeito magro e de cabelos enrolados tocava violão e cantava. Me disseram que o nome dele era Lápis. Depois dali, fomos para a Boate Cracóvia. E, antes de a noite acabar, meus amigos me deixaram na rodoviária. Eu peguei o ônibus das 23, para chegar dia claro em Maringá. Quando entrei no ônibus, dormi. Estava exausto. Para mim foi uma experiência fascinante, como tivesse viajado para um lugar distante, diferente e desconhecido. Foi a primeira vez que eu vim a Curitiba.

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