A palavra que não podia ser dita em casa

Eu sempre tive misto de admiração e curiosidade pelas prostitutas. Eu presumo que isto seja sequela do rigor de minha avó, que não era prostituta, já vou esclarecendo. Ao contrário, era muito moralista – ia à missa com regularidade e de vestido preto e véu negro na cabeça. Ela era tão moralista que não permitia que ninguém pronunciasse a palavra prostituta em casa. Até aí, tudo bem. A velha tinha aversão tão grande pelas rameiras, que ao repelir a palavra prostituta ela embaralhou um pouco as coisas. E aí a coisa complicou. E complicou para o meu lado, como haverão de ver.

No segundo ano do primário eu tinha uma professora muito bonita chamada Elvira. Tinha um par de pernas tão bonitas que eu na minha tenra idade não deixava de admirar. Um dia ela não foi dar aula. E a substituta entrou e foi avisando: “Eu sou a professora substituta. A dona Elvira não pôde vir. Mas ela pediu para vocês prestarem atenção senão ela vai ficar muito chateada”. Todo mundo prestou atenção e quando terminou a aula, todo mundo foi para casa. Quando eu cheguei em casa, minha avó perguntou, como sempre fazia: “Como foi a aula hoje?”. Eu disse: “A dona Elvira não foi e mandou uma substituta”.

Para quê eu disse aquilo? Levei o maior cacete. De rabo de tatu, embora aquilo estivesse mais para chicote de carroceiro. Até aí, tudo bem. Minha avó tinha o hábito de me dar surra por qualquer bobagem. Achando que o resultado seria benéfico lá na frente. Hoje eu até acho que era um pensamento meio coerente, porque minha avó tinha certo comportamento medieval. O pior foi em seguida: ela me encheu a boca de pimenta. A terrível Capsicum frutescens. Eu chorei. E ali onde eu chorei, qualquer um chorava. Dar a volta por cima só depois que o fogo da pimenta na boca abrandasse. E minha avó, feito uma sacerdotisa celta, sentenciou: “Isto foi para você nunca mais repetir esta palavra feia”.

E eu nunca repeti a palavra substituta em casa, por muitos anos, evidentemente para não ser punido. Até que adolescente, aos dezenove anos, quando minha avó já tinha parado com a mania de me dar pancada, até porque não ia conseguir, eu não ia ficar ali parado vendo a velha bancar o Cassius Clay para o meu lado. Então, até meio sem querer, eu pronunciei a palavra maldita: substituta. E minha avó me olhou como estivesse magoada. Ela disse: “Mas eu não falei para você nunca mais pronunciar esta palavra?”.

Eu me lembrei e quis saber a razão. Ela disse: “Substituta quer dizer mulher vagabunda”. Foi então que minha ficha caiu. Foi então que eu entendi por que fui punido naquele remoto dia de minha infância. Minha avó confundiu as palavras substituta com prostituta. Quando eu expliquei a diferença entre elas, a minha avó baixou a cabeça envergonhada e eu também não fiz escândalo, afinal o cacete e a pimenta já tinham sido aplicados, os anos passaram e a confusão foi resultado da pouca habilidade de minha avó com as palavras, embora ela fosse hábil com o rabo de tatu.

Eu quis saber a origem da grande aversão que a velha tinha pelas prostitutas. Era algo maior ainda que a aversão pelas bruxas. Uma aversão tão grande que em vez de atrair a minha cumplicidade, provocou um efeito o oposto: fascínio pela mulheres despudoradas que faziam por alguns trocados tudo o que as outras faziam a um custo excessivo. Muitas cobrando prestações diárias o resto da vida. Talvez por isso minha avó as odiasse: minha avó as via como uma grande ameaça para o mundo feminino. É uma teoria. Só sei que até hoje a palavra substituta me assusta.