A morte despudorada do Capitão Patrocínio

Nestes dias quentes de janeiro, não há quem resista em dar um pulo no litoral, nem que seja para passar raiva com aquele barulho infernal, aquela balburdia em que se transformam as praias paranaenses na temporada. Eu tento me refugiar em Guaratuba como fosse possível uma formiga se refugiar num formigueiro. Mas, ainda assim, vale a pena. Porque a gente ouve cada história! Como a do professor Patrocínio. Na realidade, a história da morte do professor Ariosto Patrocínio. Vamos pelo começo: Patrocínio chegou a Guaratuba com quarenta e cinco anos. Pouco se sabe o que ele andou fazendo antes disso. E este pouco se resume a uma linha: ele era capitão de navio mercante, se aposentou e foi morar na cidade litorânea.

Diz a lenda que o navio de Patrocínio passou ao largo da costa e ele deixou a embarcação numa canoa em direção ao continente. Em grande estilo: solitário, de casaco azul, com dragonas e medalhas, calça branca, boné e barba de capitão, além do cachimbo fumegante. Ele foi remando sem pressa até a praia central. Na praia, o seu bote foi içado para o continente por pescadores intrigados com a presença inusitada da autoridade naval, sem ser anunciada. Patrocínio agradeceu a providencial ajuda, pisou nas areias cálidas de Guaratuba sem sujar os seus sapatos brancos. E assim, altivo e altaneiro, seguiu impoluto para conhecer a cidade.

Ele se alojou em uma pensão, fez levantamento das necessidades locais e descobriu que uma escola precisava de professor de geografia. Geografia era o que ele mais conhecia – quer dizer, pontos geográficos. E assim o capitão-de-longo-curso guardou o fardamento de homem do mar no armário e se transformou em mestre escola. O seu método era semelhante ao que aplicava nos navios que comandou: aos obedientes tudo e aos rebeldes punições. Como a garotada era esperta, ela não demorou a perceber que era um bom negócio ser camarada com o professor Patrocínio. E, assim, Patrocínio construiu uma segunda profissão e carreira. De professor.

Os amores de Patrocínio antes de ele aportar em Guaratuba, o velho lobo do mar guardou a sete chaves. Mas o seu grande amor na cidade todo mundo conhecia: Djanira, a filha da dona da pensão em que ele morava e com quem casou e teve duas filhas, muito bonitas, por sinal. Djanira era caiçara morena bonita de olhos verdes e astutos, destas que existem em Guaratuba. Dizem as más línguas, que algumas dezenas delas são frutos de amores de verão – as garotas escolhem os mais belos varões que vão passar os verões no litoral e com eles se acasalam nas noites e madrugadas quentes em que tudo se transforma em alegria e sensualidade, produzindo alguns meses mais tardes belos bastardos, de ambos os sexos.

O certo é que Djanira trazia Patrocínio no cabresto. O capitão não era cavalo de equitação, mas adorava pular obstáculos, principalmente cercas, para cair nas alcovas alheias. Com laço curto, não dava. Foi assim até Djanira morrer. E Patrocínio, com mais de 75 anos, aposentado pela segunda vez, deu o grito de liberdade com a ajuda do revigorante fálico chamado Viagra. A filha mais velha soube e entrou em pânico; temia que o velho tivesse um treco. Patrocínio engolia Viagra como torcedor come amendoim no estádio. Ele respondia eufórico: “Tô inteiro, tô feliz e tô maneiro”. E mandava bala. Com duas aposentadorias, tinha munição financeira para atrair garotas a serem conquistadas mediante pagamento de generoso pecúlio.

Até uma noite acontecer. A filha mais velha recebeu telefonema no meio da noite. De uma dona chamada Lucrécia, de 23 anos, que, aliás, a filha do professor nem sabia que atuava no lenocínio. “O seu pai morreu em cima de mim, menina! Enfarte. O que eu faço?”. A filha nem chorou. Ela soltou um suspiro resignado e respondeu: “Bem que eu avisei! Eu sabia que ia acontecer. Mas ele não me ouviu”. Lucrécia tentou consolar a filha do professor: “Foi uma morte gloriosa, menina, pode acreditar!”. A filha disse: “Foi uma morte despudorada. Overdose de Viagra! Era o que faltava!”. No velório de Patrocínio não houve tristeza. Os homens olhavam o caixão como se o morto fosse um herói na batalha que libertou Guaratuba dos mouros. Com profunda admiração.