A longa jornada em busca de um ventilador

Eu fui comprar ventilador ontem. Não tinha. Acabaram os ventiladores das principais lojas do ramo na cidade. Fui a doze lojas. O calor está de matar. Em uma delas um sujeito muito antencioso me disse que tinha ventilador e mandava me entregar em casa. Gostei da ideia. Não gostei do prazo. “Em uma semana chega lá”, disse ele. Eu respondi: “Com este calor eu não sei se sobrevivo até lá, meu amigo. Meu caso é de urgência”. E fui embora. Quando cheguei ao jornal, meu amigo Cahuê Miranda disse que eu estava quebrando a cabeça à toa. “Tem uma loja na Galeria Suissa que vende ventiladores. Deve ter um monte”.

Eram 16 horas. Sol a pino. Tomei uma decisão corajosa. Minha avó sempre me disse que eu era um menino destemido e corajoso. Deixei a redação com ar condicionado e água gelada e me arrisquei a atravessar a Rua José Loureiro – o sol, este pistoleiro implacável me fulminou com seus raios ultravioleta, que me esquentaram a pele e a alma. Mas eu corri dez metros, como os mais decisivos de minha vida. E sobrevivi. Cheguei na galeria Suissa e procurei a tal loja. Uma dona simpática me atendeu. Ela disse que ventiladores estavam saindo mais que pipoca em noite de espetáculo no circo. Eu entendi a piada porque ela tinha mais de cinquenta e eu mais de sessenta. Nós somos pessoas do século passado – para ser mais exatos, do milênio passado. Somos do tempo que Curitiba era fria. E que circos apresentavam espetáculos na cidade.

Eu disse que queria um ventilador. Ela disse que o modelo que eu queria acabou por volta do meio-dia: foram vendidos uns vinte. “Nem peça os de torre da Britânia que saiu tudo até às dez horas”, disse. Eu percebi que a coisa estava complicada. E que eu ia ficar sem ventilador. Ela me mostrou um pequeno, deste que resolveria o problema se eu tivesse trinta centimetros de altura. Não quis. Então ela me mostrou outro, uma semitorre, ou coisa parecida. Era o último de um lote de vinte que tinha chegado também de manhã. Eu disse: “Eu levo”. A dona voou sobre o ventilador e disse: “Eu vou levar ele para o fundo da loja, porque se aparecer alguém e vê-lo vai querer comprar e pode dar confusão”. Sim a coisa chegou a este nível. Tem gente se estapeando por aí por um ventilador.

Um amigo chegou assustado para mim no começo da tarde. Eu pensei que ele tivesse presenciado algum tiroteio em Campo Magro ou que andou encontrando na rua o famoso tarado do asilo – o cara que pegou em plena madrugada duas velhinhas de setenta anos e praticou atos libidinosos. Mas não era isso. Ele foi ao mercado logo de manhã e presenciou o maior quebra pau: três sujeitos se estapeando pelo último ventilador negro enquanto o vendedor, assustado, correu para se esconder no depósito. Afinal, como o cliente sempre tem razão, os três podiam achar que ele era o culpado por não ter mais ventilador para dirimir aquele conflito inesperado. Sim, a coisa está feia.

Bem, eu paguei pelo meu ventilador com a mesma ansiedade de alguém que ganha na loteria. Fiquei com medo de sair da galeria Suissa com o ventilador e ser assaltado. A velha lei da oferta e da procura determina a tensão social e a criminalidade. Eu li muitos livros de história e sei disso. Como o ventilador era grande, não dava para disfarçar. E ainda tinha aquele problema adicional. Eu tinha que atravessar a rua e o sol estava me esperando, insolente e inclemente, pronto para disparar seus raios ultravioleta. Mas viver é correr riscos. Eu fui, atravessei a rua, sobrevivei ao calor e levei a minha nova aquisição: um ventilador bonitão. Na redação ele fez mais sucesso que Monica Belucci, se ela aparecesse por aqui. Ou o Brad Pitt, entre as garotas. Quando eu sentei de novo para trabalhar, eu me lembrei do rei Ricardo III que, segundo William Shakespeare teria bradado na Batalha de Bosworth Field: “Meu reino por um cavalo”. Meu caso é mais análogo ao daquelas pinups dos anos 40 e 50, sob um calor escaldante, que justifica a sua nudez: “Me arrumem um ventilador, que estou morrendo de calor”.