A frustração de um velho ladrão de cemitérios

Ele está aposentado. E não sai mais à noite para furtar. Mas se estivesse em ação não conseguiria o mesmo rendimento de décadas passadas. Ele fez uma tentativa só para saber como estava o mercado e se decepcionou. Caio Capistrano da Silva voltou ao local de muitos furtos para ver se ainda estava apto para o serviço e ficou frustrado: ele estava inteiro, pulou o muro com agilidade, ninguém viu, esgueirou por túmulos sem fazer barulho e ainda flagrou uma prostituta fazendo programa com um sujeito sobre a laje de um mausoléu de família tradicional. Foi a primeira decepção. As velhas prostitutas respeitavam o local. Não iam ali para profanar o ambiente.

A frustração aumentaria. “Pouca coisa para furtar. Quase nada de interesse”. Caio se lembrou dos bons tempos – eles existem para todos, inclusive para os ladrões de cemitérios. “Havia coisa interessante na parte externa”, disse. Eu quis exemplos: “As cruzes!”. Caio roubava cruzes. “Não era qualquer uma. Eu roubava cruz de cobre. Valia dinheirão. E se encontrasse maluco ou carola, nem precisava vender por quilo. Era só dizer que era antiguidade que pegava boa grana. O sujeito ainda pendurava na sala, sem saber que era de cemitério”, disse ele.

Hoje não tem cruzes com material valioso. “A maioria é de cimento ou pedra”, disse ele. “Pode ter grande valor sentimental, mas nenhum de mercado”, acrescentou. “Outra coisa decepcionante foram as molduras dos retratos”, emendou. Ele era de um tempo em que as molduras eram de bronze ou cobre. “Cheguei a coletar duas de prata e outra folheada a ouro”, contou, para em seguida mostrar o desapontamento com o quadro hodierno: “Hoje em dia botam retrato em moldura de porcelana”. Ele me encarou com fúria contida e fulminou: “Me diga! Quem vai comprar moldura de porcelana?”

Como não sou especialista, fiquei quieto. E como Caio era especialista no mercado negro dos produtos macabros, ele me respondeu: “Ninguém. A porcelana que você tira de um túmulo não tem o menor valor agregado”. E por esta razão, não compensa arrancá-la do lugar em que está. Houve um tempo em que Caio tinha assistente, o Rancoroso, cujo nome era Demétrio Pikodopoulos, que tinha a habilidade de abrir os túmulos e fazer limpeza no finado, antes que os vermes resolvessem a parada. “Este era um procedimento de risco e só poderia ser executado em caso de o finado levar para o túmulo coisas de valor, como anéis de ouro, dentes de ouro”, disse ele, para fazer uma pausa misteriosa.

“Houve uma vez que Rancoroso arrancou quinze dentes de ouro”, contou Caio. “Hoje em dia ninguém é enterrado com anéis de ouro e hoje em dia ninguém usa dentes de ouro. Uma pobreza. Sorte de Rancoroso que ele morreu”, disse Caio. Se as coisas estavam assim, eu resolvi perguntar de que vive hoje em dia um ladrão de cemitérios. Ele me respondeu que tem os pequenos ladrões que pegam qualquer coisa e nem podem ser considerados representantes da categoria. Mas tem alguns que roubam defuntos. Eu me assustei. Ele me confessou: “Se o sujeito morre jovem, dá para aproveitar para o comércio de ossos, eles usam em implantes. Sem contar que escolas de medicina precisam de cadáveres para aulas de anatomia e coisas do gênero. A profissão não acabou. Ela apenas mudou de prioridades”. Caio é dos velhos tempos dos ladrões românticos, que tinham medo de alma, vozes do além e uivos de coruja. “Os de hoje não temem nada. São frios e cruéis”.