A existencialista da Praça Alferes Poli

Era sábado à tarde, por volta das 15 horas, chovia chuva fina. Como o verão está insuportável, a chuva fina tinha sabor análogo ao de sorvete de milho verde. Adorável. Eu saí da redação pelo portão da Rua Pedro Ivo e me encaminhei sem pressa para a estação tubo da Praça Alferes Poli. O meu projeto imediato era pegar um expresso para o Shopping Barigui, que eu gosto por causa da Fnac. Boa livraria com linha diversificada, preços razoáveis e ar condicionado, que no verão não tem preço.

Além disso, de vez em quando encontro amigo que faz tempo que não vejo perambulando faceiro entre as prateleiras. Sem contar as mulheres bonitas, que jogam por chão o velho preconceito de que mulher bonita não gosta de livro e leitura. Eu pensava nestas coisas, caminhando com alma fagueira. Até o solo da praça com a chuva fina ficava menos pulverulento. Eu paguei a tarifa e entrei na estação tubo, quando um sujeito passou por mim. Era estranho. Não liguei porque a cidade está cheia de sujeitos estranhos – talvez eu seja um deles. E fiquei esperando o expresso para o Barigui. Então percebi que o sujeito que entrou se requebrava de forma incontrolável.

Ele tinha um fone e ouvia música, algo rotineiro hoje em dia. A música às vezes contagia o ouvinte e o induz a achar que está sozinho no quarto e que ele pode fazer os movimentos mais curiosos, sem ser observado, dando a impressão de ser atleta do nado sincronizado fora da água. Se ele requebrando chamava atenção, quando começou a cantar em inglês, chamou mais ainda. Ele cantava coisas como: “I want a real fine car, fly Miami too, All the rum, I want to drink it, all the whiskey too”. Aquilo era Rolling Stones. O sujeito tinha entre 50 e 60 anos. Tipo saradão, magro, jovial e cabelos oxigenados, parecendo ator canastrão interpretando imperador romano.

Eu não me importei. As poucas pessoas àquela hora na estação tubo também não se importaram. Até chegar uma senhora bonita de uns 50 anos que ficou fascinada pelo tipo. O cara se requebrava, soltava frases em inglês, mas estava sossegado, na dele. A mulher ficou inconsolável e por falta de alguém para manifestar suas opiniões, ela se dirigiu a mim: “Olha que homem bonito?”. Era uma opinião pessoal e eu não ia abrir polêmica. Por isso não respondi. Ela continuou: “Um homem maduro, atraente, se requebrando como uma criança”. Ela tinha razão, embora parcial. Eu olhei o sujeito e ainda assim achei prudente não comentar.

Aí a mulher disse algo que foi surpreendente: “Sabe o que é isso? Isso aí é culpa do feminismo. Os homens perderam o rumo. E sabe o resultado? Não tem mais homem no mundo. Os poucos estão assustados ou deste jeito: dançando. Tem homem com homem, mulher com mulher, mas homem disponível para mulher está raro. Os homens estão desaparecendo”. Achei uma opinião cruel, superficial e controvertida. Mas achei melhor não contrariar. A mulher disse: “Um homem tão bonito. Eu querendo um deste e o sujeito se requebrando feito uma cobra com cólicas. Que pena”. Eu pensei que ele se requebrava como criança e não sabia que cobra tinha cólica. Tudo bem.

A mulher ficou triste. A sua expressão era a de alguém que acabou de constatar que o bolo que deixou no forno queimou depois de muito trabalho. Uma expressão de decepção, derrota e impotência. Não sei se justa ou injusta. O ônibus chegou, o sujeito entrou faceiro, se requebrando e eventualmente cantando, sem saber que era tema de preocupação de uma existencialista desconhecida que a partir dele generalizou toda condição do homem moderno. Embora concorde que os homens perderam um pouco o rumo depois da emancipação das mulheres, achei exagero. Mas fiquei otimista em saber que por mais homem que goste de homem e mulher de goste de mulher, por incrível que pareça, ainda tem mulheres que gostam de homens e vice versa. Mais que isso, que lamentam quando os seus caminhos não se encontram. O velho esquema ainda está vivo.