A chegada do bandido Carne Seca ao Palácio Iguaçu

Os três maiores bandidos que povoaram os meus temores na infância foram Carne Seca, Diabo Loiro e Sete Dedos. Todos tinham fama nacional, mas os dois primeiros atuaram na região em que eu morava, enquanto Sete Dedos era mais cosmopolita, agia em São Paulo, embora há quem diga que ele apavorou durante algum tempo a região de Arapongas. Carne Seca mudava de endereço, morando em Maringá, Apucarana e Mandaguaçu, mas seu raio de ação incluía Arapongas, Campo Mourão, Astorga e Peabiru. Quando meus tios mencionavam estes nomes eu temia o pior. Era como se eles fossem abrir o portão de casa, atirando, arrombando a porta e saqueando. Ia dormir com medo.

Carne Seca, que se chamava Luiz Fernandes, e Diabo Loiro, cujo nome era Geraldo Fonseca de Souza, eram egressos da Penitenciária da Ilha Anchieta, no litoral paulista. A cela de Carne Seca na penitenciária era forrada com fotos de Elvira Pagã, mito sexual dos anos 50. Uma das fotos dela na cela de Carne Seca, deitada de biquíni sobre uma pele de onça estirada numa pedra à beira mar, tinha a seguinte dedicatória: “Para Carne Seca, um consolo de Elvira Pagã”. A foto em vez de consolar, tirava o sono de Carne Seca. O sonho dele era cair fora da cadeia para dormir com a vedete. Quando olhava a parede e via Elvira na pose que parecia aguardá-lo, o bandido ficava doidão.

Dizem que foi por ela que ele tentou várias vezes fugir da penitenciária. Talvez seja folclore, porque quando conseguiu, ele foi cuidar da vida no Norte do Paraná, fazendo assaltos e matando gente. Já Diabo Loiro, enquanto atuava tranquilo no Norte do Paraná, era dado por morto numa rebelião anos antes. Em comum os dois eram impiedosos: feriam, matavam, roubavam e saqueavam. Ringo e Gringo eram piás de prédio perto deles. Os caras eram bandidos com faro para o negócio: o Norte do Paraná nos anos 50 era terra de dinheiro, de aventureiros e quase sem lei. Dinheiro corria na época da colheita – e eles estavam lá para pegar uma parte.

Mas um dia ambos caíram nas malhas da lei. Tudo começou no dia 6 de abril de 1958, quando o bandoleiro Augusto Vizoni, o Angelim, motorista do bando de Carne Seca, foi preso e entregou o paradeiro do chefe: uma casa em Bela Vista do Paraíso. Os delegados Miranda Assy e Rodolpho Uhdre organizaram caravana até a cidade dispostos a fazer o cerco e prender o meliante. Chegando ao local eles evacuaram as casas vizinhas. A previsão era de tiroteio cerrado, de morte e sangue. Era final de tarde quando a área ficou limpa e o delegado Miranda Assy anunciou o cerco aos ocupantes da casa em que Angelim disse em que estava Carne Seca. Era a senha para a fuzilaria.

Mas não aconteceu nada disso. Carne Seca saiu da casa e se entregou docilmente. Com ele veio outro sujeito que depois descobriu ser Diabo Loiro. Esta parte da história foi relatada por um velho amigo há muito falecido, Correia Júnior, também conhecido por Zitão. Ele publicou o episódio em abril de 1958 no número 3 da revista Estampa do Norte do Paraná, dirigida por Ivens Lagoano Pacheco. A segunda parte, que agora segue, me foi narrada por outro amigo, também falecido, Mussa José Assis, que foi diretor de O Estado e da Tribuna. O delegado Miranda Assy anunciou ao governador Moisés Lupion que prendera Carne Seca e o governador disse que o queria imediatamente em Curitiba.

E, assim, segundo Mussa, que ouviu a história de pessoas que dela participaram, Carne Seca foi acorrentado com cadeado e tudo e colocando dentro de um Jipe que imediatamente o trouxe para a capital do Estado. Quando chegou a Curitiba ele foi levado diretamente para diante do Palácio Iguaçu, onde Lupion fez questão de conferir quem era o bandoleiro que semeava terror e sangue no Norte do Paraná. Depois disso, Carne Seca foi levado para a penitenciária. E lá ele passou os vinte anos seguintes de sua vida.