Sim, estamos falando de Furiosa, a nova aventura dirigida por George Miller dentro do universo de Mad Max, cujo filme de estreia data lá dos anos 1980, quando os maias e astecas ainda dominavam o mundo.

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Com um orçamento de quase U$ 170 milhões, o filme arrecadou pouco mais de U$ 140 milhões mundialmente, o que já o estabelece como um fiasco financeiro.

[vale dizer aqui que filmes jamais devem ser avaliados por conta de seu sucesso ou de seu fracasso financeiro, mas isto é uma conversa para outro momento]

Vamos falar aqui sobre Furiosa e porque ele deve ser visto no cinema, de preferência na maior tela possível. E não temos aqui um Estrada da Fúria 2. O que é muito bom.

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Sejamos sinceros, Miller poderia simplesmente descansar sobre os louros de ter feito um dos melhores filmes do século e replicar o conceito de adrenalina constante e caos controlado do filme de 2015, uma obra-prima de concisão que alguns ainda veem como simplória, na qual personagens saem de A para B, de B para C e de C para A. Pronto.

Furiosa, na verdade, parece querer ir além do que foi feito em Fury Road. Miller não quer apenas deslumbrar visual e sensorialmente seu público; ele quer contar uma história épica de perda, resiliência e vingança, uma trama que percorre pelo menos 15 anos na vida da protagonista, tratada como joguete nas mãos de homens impuros e injustos.

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Não que o filme não tenha grandes e ótimas sequências de ação: ainda que não alcancem o brilhantismo das presentes em Fury Road, temos aqui momentos simplesmente impressionantes. Uma prova de que, aos 79 anos, Miller ainda é capaz de encantar com sequências insanas e montadas da forma mais acessível possível, permitindo-nos deleitar com cada detalhe dos conflitos na WasteLand, além da ótima ampliação deste universo, com a oportunidade de conhecermos um pouco mais de sua estrutura e funcionamento.

Dividido em capítulos, o filme volta à infância de Furiosa (interpretada pelas ótimas Alyla Browne quando criança e por Anya Taylor-Joy adulta), raptada por Lord Dementus (Chris Hemsworth, aproveitando cada segundo em tela), um líder tão presunçoso quanto cruel, um personagem tão ferido quanto Furiosa, cujo objetivo é conseguir mais e mais poder, quase uma forma de compensar o vazio que sente.

Nesse ponto, o encontro com Furiosa não poderia ser menos que explosivo. Disposta a vingar não apenas a morte de sua mãe como a perda de sua liberdade e, principalmente, o afastamento do paraíso verde onde viveu parte de sua vida, Furiosa torna-se uma figura introspectiva, calculista, fria, analisando cada momento como mais uma engrenagem em seu grande plano de recuperar o que perdeu. É uma personagem fascinante, cujo silêncio e os grandes olhos de suas intérpretes dizem muito mais do que os discursos grandiloquentes de Lord Dementus.

A busca pela vingança, porém, é um caminho sem volta. Não é por acaso que, na busca de sua desforra final, Furiosa vá aos poucos se despindo de sua própria humanidade, se tornando uma máquina de guerra tão imbatível quanto as máquinas que dirige.

A retaliação, porém, tem seu custo: não é apenas o braço que ela eventualmente vai perder, mas sua própria história escrita na pele, o caminho para sua família que agora é substituído por uma prótese fria de metal – a mesma que vai selar o seu destino na conclusão de Fury Road. E, quando chegamos ao fim desta quase fábula, percebemos o que Miller sempre tentou nos dizer: sim, temos tudo o que queremos para tornar nossa aventura épica, mas o que a revanche nos traz de bom? O fim do inimigo significa um novo começo ou é apenas mais um passo para um destino sombrio traçado há muito tempo?

Entregando uma conclusão melancólica, Furiosa mostra que as raízes nas quais ela e outras pessoas estão cravadas podem ser vistas de duas formas distintas: a prisão eterna ou a possibilidade de alcançar o ponto mais alto – e a liberdade com a qual ela sempre sonhou.

Nada mal para um filme de ação em que temos personagens chamados Rictus Erectus e Scrotus. Só mesmo George Miller para fazer isso.