Viver só de filme bom é fácil. O desafio de verdade para qualquer cinéfilo de verdade é aguentar filme ruim! E olha que a Netflix se superou nesses últimos dias, lançando não um, mas três filmes deste naipe, cada um mais sofrível que o outro.

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Agora, antes que você ache que eu sou o chato que só gosta de filme cult, deixa eu esclarecer: eu posso ter achado esses filmes ruins (muito ruins, na verdade), mas jamais diria para você não assistir. Vai que você curte?

Até porque gosto, como se sabe, é algo extremamente pessoal. Eu conheço pessoas que gostam de jiló, por exemplo.

Quem sabe você encontre alguma diversão onde eu só vi desastre. Só fica o aviso: prepare-se para uma sequência de tranqueiras de deixar qualquer maratona meio indigesta.

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Boa sorte!


ARMADILHA EM ALTO MAR

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A vida é uma caixinha de surpresas. Ou de chocolates. Tanto faz.

Imagina a história dessas duas amigas, Kaya e Tessa, que resolvem dar um rolê com uns boy magia da vida e vão, de jet ski, para uma ilha paradisíaca, curtir uma paisagem, trocar umas ideias, falar sobre o Gabriel Medina, coisas desse tipo.

Quando eles estavam voltando para o continente, em um acidente realizado com câmeras tremendo para disfarçar a falta de orçamento, os dois jet skis colidem, o boy de uma delas racha a cabeça e o outro racha a perna. Mas pelo menos elas sobreviveram e conseguem avistar uma outra embarcação se aproximando, um sinal de esperança em meio a tanta tragédia.

Mas a vida é uma caixinha de surpresas.

Acontece que o marinheiro mal-encarado que pilota o barquinho, fato que poderia ser causado pela vida dura que passou no mar ou pelos tubarões que caçou nos anos 1990, faz parte, na verdade, de uma organização maligna de tráfico humano e joga as duas meninas no porão do navio, passando a alimentá-las com peixe cru, quase um sashimi rústico. Pensando bem, até que não é tão terrível assim.

Mas a vida é uma caixinha de surpresas.

Quando as meninas já estavam se acostumando a essa dieta de sashimi e pata de caranguejo, eis que aparece um médico suíço elegante especializado em realizar retiradas de órgãos em alto mar, que arranca o fígado do namorado de uma delas e o joga no mar – o namorado, não o fígado.

Percebendo que logo virariam artigo de luxo para algum parente adoentado do Elon Musk, uma das meninas consegue fugir bem na hora que o médico iria tirar o rim de sua amiga, de noite, no mar agitado, algo absolutamente normal nestas circunstâncias, espetando-o com uma lança – o médico, não o rim da amiga. O médico do mal, que queria apenas dar uma chance de vida digna com o rim alheio a outra pessoa, morre sem ver o seu sonho realizado.

Mas a vida é uma caixinha de surpresas.

Quando elas conseguem escapar e nadam até o barco do médico, Kaya, a amiga que parecia ser a mais esperta descobre que não sabe como funciona nem o rádio nem o motor da embarcação nem como ligar o GPS, o que dá tempo para o marinheiro caladão e mau-caráter chegar e furá-la com um estilete, quando você pensa que ela finalmente irá encontrar a paz que tanto buscava.

Mas a vida é uma caixinha de surpresas.

Por sorte, ela estava com um sinalizador na mão e o enfia na cara do marinheiro, que explode qual uma piñata recheada de fogos de artifício, numa cena tão emocionante quanto uma salada de chuchu. Agora, ela finalmente poderá voltar para casa.

Mas a vida é uma caixinha de surpresas.

Haha, estou brincando. Não acontece mais nada, não. A Guarda Costeira chega, pega as duas amigas e as leva de volta para o continente, onde o irmão mais novo daquela que parecia ser a mais esperta diz que a ama e tudo fica bem no final.

Ah, o namorado que levou o jet ski na cabeça? Ninguém lembrou dele depois que acabou a história. O outro que perdeu o fígado, então, virou sachê.

Definitivamente, um dos filmes já feitos na história do cinema.


A LIBERTAÇÃO (2024)

Lee Daniels, diretor de Preciosa, chega agora na Netflix com mais este terror de filme. A produção é supostamente baseada em um caso verídico que ocorreu com uma família, no melhor estilo Amityville.

O enredo gira em torno de uma mãe, interpretada por Andra Day (a melhor coisa do filme), e seus três filhos que se mudam para uma casa com a avó, vivida por Glenn Close – que passa o filme inteiro de shortinho para lá e para cá -, e logo descobrem que a residência guarda segredos sinistros.

A dinâmica familiar é marcada por diversas dificuldades, um aspecto que o diretor enfatiza com sua usual mão pesada, seja na direção, nos diálogos ou na caracterização física dos personagens.

Ao explorar as questões familiares, o filme até que funciona, pois o retrato desta família disfuncional tem um apelo universal conhecido. No entanto, à medida que a narrativa, que inicialmente vinha com um tom mais realista e urbano, evolui para a seara do terror – trabalhando de forma rasa o subgênero da possessão demoníaca – a situação se deteriora de forma catastrófica.

O diretor, que nitidamente não tem afinidade com o gênero, recorre ao clichês temáticos e visuais mais genéricos possíveis, com efeitos digitais mal executados e cenas para lá de constrangedoras – com direito a contorcionismos e tudo – que já foram vistas em dezenas de outras produções, tornando-se incapazes de provocar qualquer tipo de emoção no espectador.

No final, o filme se destaca pelo esforço das atrizes principais, incluindo Mo’Nique, que retorna de Preciosa para mais um papel como uma mulher forte de passado trágico. No entanto, o resultado é muito fraco diante dos talentos envolvidos na produção.


A MALDIÇÃO DA CASA WINCHESTER (2018)

A casa Winchester é provavelmente um dos locais mais fascinantes e aterrorizantes do mundo. Nos anos 1980, foi palco de uma das tramas mais perturbadoras nos quadrinhos do Monstro do Pântano, da áurea fase escrita por Alan Moore.

Pois é. Pode esquecer porque você não vai ter nada disso aqui. Que equívoco, amigos. Que equívoco. Tem tanta coisa errada nesse filme que fica difícil até listar. Só o fato dele existir já é uma afronta à humanidade.

Os irmãos Spierig, que já fizeram aquela coisa maravilhosa chamada O Predestinado, aqui enfiam o pé na jaca em um filme sem lógica, sem sentido, sem clima e sem vergonha.

Pra não dizer que não vale nada, vale o sadismo de ver Helen Mirren pagando o mico da sua vida só pra poder pagar o aluguel atrasado.

Jesus me acuda!


Textos publicados originalmente no meu Facebook, que você pode acessar clicando aqui!