Rebel Ridge: Netflix e a sua releitura de Rambo para os dias de hoje

A Netflix é uma caixinha de surpresas. Por um lado, há uma enxurrada de filmes que parecem ter sido feitos com a intenção de serem esquecidos no limbo de seu catálogo. Mas, de tempos em tempos, a plataforma nos brinda com algo que, embora não seja um clássico instantâneo, tem uma proposta interessante e traz uma reflexão mais profunda.

O filme da vez é Rebel Ridge, dirigido por Jeremy Saulnier, um diretor que transita entre o excêntrico e o brutal, o que faz dele uma das vozes mais interessantes do cinema mezzo independente atual. Quem já assistiu a Green Room ou Blue Ruin sabe do que estou falando. São filmes que, à primeira vista, não prometem a carnificina que entregam, partindo de cenários cotidianos para explodirem em violência crua e imprevisível. É um estilo que ele traz novamente aqui – ainda que suavizado – em que o inesperado é o prato principal.

O espectador com o mínimo de percepção vai perceber que Rebel Ridge bebe muito da fonte de um clássico dos anos 1980: Rambo – Programado Para Matar. Na obra protagonizada por Sylvester Stallone, temos aquele típico ex-combatente americano que, após voltar do Vietnã, é tratado como escória em seu próprio país e resolve devolver a gentileza explodindo tudo ao redor.

A diferença é que aqui, o protagonista Terry (um Aaron Pierre prontíssimo para o estrelato) tem um desafio mais próximo da vida real: lidar com o racismo e a corrupção policial enquanto tenta salvar seu primo, que, por ter testemunhado contra um criminoso de peso, pode acabar morto se não conseguir ter sua fiança paga a tempo.

Aqui, ele não é apenas um homem treinado para a violência, mas alguém que foi empurrado a uma situação extrema por um sistema corrompido. Ao ser interceptado pela polícia, não é apenas o dinheiro da fiança que lhe é roubado, mas também sua dignidade. Assim como Rambo, Terry encontra-se lutando contra uma força maior, algo que representa muito mais do que uma simples disputa pessoal: o próprio preconceito enraizado na sociedade americana.

Tanto Rambo quanto Terry são produtos de um país que enxerga a violência como uma solução viável, se não a única, para resolver problemas. No caso de Terry, essa solução se torna pessoal quando ele percebe que o sistema legal simplesmente não vai ajudá-lo a salvar seu primo.

Esse detalhe adiciona urgência à jornada de Terry e serve como um gatilho para os diversos eventos que se desenrolam. É interessante observar como Saulnier usa essa narrativa paralela para intensificar a tensão, ao mesmo tempo em que explora temas maiores, como a fragilidade do sistema judicial e as consequências de enfrentar figuras poderosas – ou que se consideram como tal, como o chefe de polícia interpretado por Don Johnson, também conhecido como o pai de Dakota.

E o racismo não é só um pano de fundo. Ele é uma força motriz na história, ainda que o diretor não dê diretamente nome às coisas. Por conta disso, Rebel Ridge eventualmente vai além de um simples filme de ação e toca em feridas que permanecem abertas, ainda que quase sempre ocultas por um fétido ar de normalidade institucional.

A necessidade de Terry de pagar a fiança não é só um arco narrativo, é uma crítica à forma como o sistema judicial americano funciona de maneira desigual. Enquanto pessoas com dinheiro podem comprar sua liberdade, quem está à margem da sociedade fica à mercê de um sistema corrupto e implacável. Essa é uma das principais discussões levantadas por Saulnier: até que ponto a justiça é, de fato, justa?

No fim das contas, mesmo que Rebel Ridge tenha seus momentos mais óbvios e previsíveis – e se estique um pouco além do necessário – ele consegue se destacar por essas camadas de crítica social. Pode não ser o filme mais brilhante da carreira de Saulnier – e aqui ele está muito mais adestrado no uso da violência – mas certamente traz discussões relevantes que reverberam no espectador muito depois dos créditos finais – e vale destacar aqui a ótima conclusão em aberto, mais um exemplo da coragem do diretor.

REBEL RIDGE | NETFLIX
Nota: ⭐⭐⭐⭐
Direção: Jeremy Saulnier
Ano de produção: 2024
Duração: 115 minutos
Elenco: Aaron Pierre, Don Johnson, AnnaSophia Robb

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