O cinema tem uma maneira muito especial de surpreender o público, e uma das ferramentas mais eficazes para isso é o chamado plot twist. Um plot twist é uma reviravolta inesperada na história que muda completamente a percepção do espectador sobre os eventos e personagens.
Alguns dos exemplos mais icônicos incluem o final surpreendente de O Sexto Sentido, quando descobrimos que determinado personagem estava morto o tempo todo, e Os Suspeitos, que revela a verdadeira identidade do misterioso Keyser Söze. Outras obras emblemáticas como Os Outros, Ilha do Medo e o nosso amado Psicose também são conhecidos por suas reviravoltas impactantes que deixaram o público com o queixo na mão.
Mas há controvérsias. Quando bem utilizado, o plot twist pode ser uma ferramenta poderosa para enriquecer a narrativa e proporcionar uma experiência memorável. Por outro lado, tem sido bem comum, nos últimos tempos, um aumento no uso deste truque narrativo apenas para chocar o espectador, muitas vezes resultando em reviravoltas que parecem forçadas ou completamente sem sentido.
Nos serviços de streaming, há uma abundância de filmes que se valem desse recurso de forma muito boa e também de forma questionável. Vamos listar alguns desses e avaliar como o plot twist pode ser tanto uma benção quanto uma maldição no cinema contemporâneo.
Vamos lá?
O AVISO | NETFLIX
No ano de 2008, após ver o seu melhor amigo ser baleado em um posto de gasolina, um matemático com sintomas de esquizofrenia descobre que diversas outras tragédias ocorreram no local ao longo dos anos. Estabelecendo um padrão numérico para estes crimes, ele percebe que pode vir a salvar a vida da próxima vítima – um garoto que fará 10 anos em 2018! Tcharam!
O filme até lida de forma interessante com as suas diversas linhas temporais, definindo com competência as questões de causa e efeito. O problema é que o filme parece não saber exatamente qual história contar, colocando aqui e ali alguns conflitos que não acrescentam em nada, tudo isso com um ritmo bem morno, até culminar num plot twist manjado e incapaz de causar qualquer tipo de reação no espectador.
Funcionaria muito bem como um episódio de Além da Imaginação. Como longa-metragem, fica devendo bastante. Mas vale a olhada.
A NOITE DAS BRUXAS | Disney+
Vamos ser sinceros. Nenhum dos três filmes baseados nas obras de Agatha Christie dirigidos por Kenneth Branagh são grandes filmes.
Este terceiro filme se beneficia de um escopo mais restrito, sem a megalomania de Expresso Oriente ou a artificialidade estética de Morte no Nilo, com uma trama que busca uma vibe mais sobrenatural na história da médium que é assassinada em um antigo palazzo em Veneza.
Aproveitando esta deixa, Branagh se mostra meio incontrolável em suas grandes angulares e seus ângulos holandeses, deixando a atmosfera geral um tanto quanto caricata na maior parte do tempo, o que me parece ser proposital.
O mistério em si até que é interessante, ainda que alguns erros de casting prejudiquem a solução final, que conta com um pequeno plot twist até que bem simpático. Uma boa diversão.
ELI | Netflix
Eli é o algoritmo dos serviços de streaming operando em modo full pistola, juntando tudo o que é possível (e mais um pouco) em um filme de terror. Vejamos:
Por incrível que pareça, porém, Eli até que é bem assistível, muito por conta do bom trabalho do ator que faz o garoto esquisito e do tal plot twist pra lá de bizarro, que leva o filme numa direção que vc realmente não esperava.
ORFÃ 2: A ORIGEM | Prime Video [aluguel]
A prequel para o inesperadamente insano filme de 2009 tinha como principal desafio convencer o público de que a excelente Isabelle Furhmann, aos 25 anos, ainda convencia como a pequena psicopata que aparentava apenas 10. O resultado é meio dividido. O bom trabalho de edição, dublês, saltos altos e maquiagem consegue convencer na maior parte do tempo, ainda que algumas vezes fique bem visível que temos uma adulta fingindo ser uma ‘criança’, um cosplay meio bizarro. Mas não incomoda.
O filme vai numa linha meio O Homem das Trevas 2, conduzindo Esther a um papel de anti-heroína, o que de certa forma funciona muito bem, principalmente por conta do plot twist mais inesperado da temporada – que na prática não faz o menor sentido, mas quem está ligando pra isso, né?
Não tem a insanidade da obra original de Jaume Collet-Serra, mas A Orfã 2 conta com algumas mortes bem interessantes, um ritmo bacana e que assume o seu exagero com autenticidade e gosto. E Esther dirigindo, fumando e de óculos escuros ao som de Maniac já é uma das melhores cenas do gênero.
MEDO DA CHUVA | Telecine
O fato de ter Katherine Heigl no elenco sempre é sinal de alerta amarelo. Mas até que essa produção é bem caprichada, apesar do jeitão genérico de Supercine. Heigl na verdade é coadjuvante aqui, interpretando a mãe de uma adolescente chamada Rain [captou o trocadilho com o título original?] que tem esquizofrenia e que é acometida por alucinações todo o tempo.
Em determinado momento ela começa a achar que a vizinha esquisita, que por acaso é sua professora, tem uma criança raptada no sótão. Ou no porão. Tanto faz. Será que sim, será que não? Para piorar, a única pessoa que acredita nela é um amigo do colégio que ela nem sabe se existe ou não.
A diretora Castille Landon consegue manter o clima de mistério por um bom tempo. Como esperado em filmes com essa temática, há um plot twist logo no começo do terceiro ato, que eu achei bem óbvio, mas imagino que deve enganar algumas pessoas. A conclusão, por sua vez, é tão absurda que chega a ser divertida.
VIDAS À DERIVA | Max
O diretor Baltasar Kormákur parece ter uma certa predileção por dramas pessoais em meio a eventos climáticos trágicos, como já visto no anterior Evereste. Aqui, ele conta a história da jovem Tami Oldham [Shailene Woodley] e seu noivo Richard Sharp [Sam Claflin], que entram literalmente no meio de um furacão enquanto tentam levar uma embarcação para a costa oeste americana.
O filme parece indeciso entre ser um romance água com açúcar ou um drama pesado sobre sobrevivência e resiliência em alto mar. Esse desequilíbrio se torna mais evidente por conta da montagem paralela, que alterna entre os momentos logo após o acidente e tudo o que aconteceu antes dele.
Há ainda um certo truque narrativo que vem se tornando cada vez mais usual e que eventualmente irá desembocar num plot twist que os mais atentos matarão com 10 minutos de filme. Por ser uma história real, ganha um ponto no quesito curiosidade.
GAIOLA MENTAL | Netflix
Dívida de jogo é um treco complicado. Olha o John Malkovich, por exemplo, tendo que participar desta fiasqueira interpretando um Hanibal Lecter da Shein numa trama repleta de reviravoltas e surpresas inimagináveis – não por serem inteligentes, mas por serem toscas mesmo.
Neste arremedo de obra cinematográfica, não falta nem a policial inexperiente que precisa trocar informações com o serial killer famosão. Conhecido como O Artista, o assassino interpretado por Malkovich tinha o hábito de transformar suas vítimas em um destaque brega de escola de samba, cheias de asas e paetês. E agora tem alguém fazendo tudo igualzinho. Quem será? O Milton Cunha, o Paulo Barros?
A policial inexperiente – em atuação também – é ajudada pelo Martin Lawrence, o Bad Boy menos talentoso, treinando para o próximo filme da Vovozona, nitidamente ciente do buraco em que se meteu e fazendo mais caretas que o Jim Carrey nos bons tempos.
Aqui, nada se salva: a montagem é um negócio amador vergonhoso, temos a tela verde mais vagabunda que você viu no mundo, os diálogos são pavorosos, um festival de cenas gratuitas aleatórias, o plágio descarado de Silêncio dos Inocentes.
Para piorar, é um filme de serial killer censura livre: não rola uma gota de sangue, uma mutilação básica, uma tortura mediana, uma unha arrancada. Nada.
E quando você pensa que nada pode ficar pior, aí temos o grande plot twist do filme, que o eleva para um patamar que ninguém esperava. Mas esse eu vou deixar para você descobrir!
Um belo exemplar da categoria é tão ruim que chega a ser divertido.
JUSTICEIRAS | Netflix
Pegue a filha da Uma Thurman num filme de vingança, misture Pacto Sinistro do Hitchcock e salpique de referências que passam por Segundas Intenções, Patricinhas de Beverly Hills, Garotas Malvadas, A Mentira e jogue um monte de adulto fingindo que tem 16 anos e o resultado é este Justiceiras.
Boa parte do filme se sustenta no carisma, talento para o humor e química de Uma Thurman Jr. e Camila Mendes, porque a trama é bem básica, apesar de um plot twist que eu realmente não esperava.
Só não é melhor porque alguém achou que podia esticar o filme além do necessário. Chega uma hora que você não sabe quem está traindo quem, quem é amigo de quem, ou quem é o vilão ou a(s) mocinha(s). É um caos
Mas é divertido.
DURANTE A TORMENTA | Netflix
Mesmo que não sejam grandes obras do cinema, os filmes escritos e dirigidos por Oriol Paulo [O Corpo, Os Olhos de Julia, Sequestro, Um Contratempo] são absolutamente eficientes no que se propõe: tramas repletas de reviravoltas, personagens dissimulados e revelações que fazem você rever com outros olhos tudo o que se passou antes.
Neste Durante a Tormenta, Paulo investe numa toada mais fantástica, com direito a viagens no tempo e toques de Além da Imaginação. Ao salvar a vida de um garoto que havia morrido 30 anos antes, Vera Roy [Adriana Ugarte] descobre – no melhor estilo Efeito Borboleta – que isso alterou completamente sua vida, fazendo com que sua filha jamais tenha existido. Por conta disso, ela tem pouco mais de três dias para tentar reverter o acontecido.
Como nas outras obras de Paulo, o espectador precisa relevar uma série de problemas, principalmente o excesso de coincidências, plot twists, melodramas e forçadas de barra.
Por vezes parece que o filme não vai dar conta de todos estes temas, mas o bom ritmo, a tensão constante, as surpresas [algumas bem óbvias, outras do tipo Uau!] e o ótimo elenco [em que se destacam tanto as figurinhas carimbadas do diretor como Belén Rueda, Ana Wagener e o professor da Casa de Papel Alvaro Morte] dão bastante conta do recado.
NA PALMA DA MÃO | Netflix
Este engenhoso suspense sul-coreano tem uma trama que por si só é bem genérica: após ter seu celular hackeado, uma jovem tem sua vida devassada por conta de um misterioso stalker – na verdade um serial killer procurado pela polícia por diversos crimes.
O filme faz uma crítica ao excesso de exposição de uma geração acostumada a registrar todos os seus passos em todas as redes sociais possíveis, e como isso pode ser usado de forma criminosa por mentes bem insanas. Nada, porém, que você não saiba ou não tenha visto em outros formatos.
O que vale mesmo é acompanhar a trajetória de Lee Na-mi [a ótima Chun Woo-Hee] de vítima inocente para uma final girl de primeira e a frieza perturbadora do assassino. Baseado em uma obra literária, o filme parece elencar mais arcos e eventos do que caberiam em apenas duas horas. Ainda assim, uma obra inquietante em diversos momentos e com um plot twist bem bacana e efetivamente inesperado.
E você, qual filme tem um plot twist que realmente te surpreendeu? Conte aqui nos comentários.
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