Normalmente desconfie quando alguém conta para você que um filme é perturbador. Na maior parte das vezes, é muito mais marketing do que qualquer outra coisa, como narrativas sobre pessoas passando mal em sessões de cinema.
Não é o caso aqui. Em cartaz na Netflix, O Mal que nos Habita é uma proposta tão corajosa quanto quanto incômoda.
Em seu filme anterior, Aterrorizados (1918), o diretor Demián Rugna já havia mostrado não apenas ser um conhecedor profundo dos mecanismos do horror, mas também um fã irrestrito de vários clássicos.
Nesta nova produção, ele vai ainda mais fundo ao trabalhar de forma absurdamente criativa os conceitos do subgênero da possessão demoníaca, estabelecendo uma distopia apocalíptica de uma sociedade em que a Igreja não mais existe e o mal é algo que pode aparecer nos lugares mais prosaicos e nas pessoas mais comuns.
No caso aqui, no filho de uma senhora que vive numa pequena fazenda, transformado em uma criatura mórbida gigante, repleta de pústulas e que clama por destruição – não para livrá-lo de sua miséria, mas para que o mal possa se expandir ainda mais, sem as amarras de um corpo humano.
É um filme incômodo e inquietante, pois Rugna impregna este ambiente com uma sensação permanente de desventura, como se tudo de ruim que pudesse acontecer com os personagens se tornasse dolorosamente real.
Junte a isso uma capacidade impressionante de construir tensão [a antecipação de um ataque de cachorro é exemplar] e sequências tão chocantes quanto violentas e o que temos aqui é um dos filmes mais impressionantes do ano, daqueles que não fazem concessão a nenhum personagem.
Não se engane, nem mesmo crianças são poupadas, e que parecem ser justamente as que mais sofrem com a liberação deste mal pelas ruas da cidade.
Com um primeiro e segundo atos poderosos, é uma pena que, assim como em no próprio Aterrorizados, o diretor pareça querer abraçar arcos demais em muito pouco tempo, tornando o ritmo do filme um pouco claudicante, esquecendo personagens aqui e ali, e deixando esta mitologia, que parecia soar tão bem estruturada em suas regras, um pouco alquebrada.
Ainda assim, o filme merece aplausos por se estabelecer como uma obra capaz de inovar em um tema tão batido [algo que David Gordon Green tentou no novo Exorcista – O Devoto e falhou fragorosamente] e criar momentos de brutalidade e desgraceira memoráveis, como a cena da mãe que carrega o seu filho pela estrada, que vai ser difícil de esquecer.
Não é dos mais acessíveis e pode incomodar àqueles acostumados aos filmes com final feliz de James Wan, mas O Mal que Nos Habita é uma experiência memorável para aqueles que mergulharem neste universo aterrorizante.
O Mal que nos Habita
Título original: When Evil Lurks
Ano: 2023
Diretor: Demián Rugna
Duração: 99 minutos
Elenco: Ezequiel Rodriguez, Demián Salomon, Luis Ziembrowski, Silvia Sabater