Se tem uma coisa que não podemos negar é que este ano foi muito bom para o cinema, contrariando aqueles que sempre dizem que bom mesmo era antigamente. Entre grandes estreias, sequências esperadas e surpresas de filmes independentes, o que não faltou foram histórias marcantes para discutir.
E como foi difícil escolher, dividimos essa seleção em duas partes – ou mais, dependendo da animação!
Prepare a pipoca e venha relembrar os filmes que mais nos emocionaram, divertiram e surpreenderam nos últimos meses! Nesta nossa primeira parte, muitos filmes ainda de 2023 que estrearam por aqui este ano e já algumas obras relevantes de 2024.
Lembrando, evidentemente, que essa é a minha lista, ou seja, se o seu filme preferido não está aqui ou se você não concorda com as escolhas, não há muito o que fazer.
Ah, sim, todos os filmes aqui listados estão disponíveis nos serviços de streaming.
Vamos lá?
ANATOMIA DE UMA QUEDA (2023)
A misteriosa morte do marido de uma escritora, próxima a um casebre no meio da neve, é o ponto de partida para este belíssimo drama, misto de investigação criminal e filme de julgamento. Afinal, estamos diante do suicídio de um homem frustrado com os rumos de sua vida ou um assassinato cometido num momento de fúria? Ao longo de seus quase 150 minutos, o filme de Justine Triet vai desnudar não apenas os detalhes do caso, mas a vida de cada um dos envolvidos nesta ocorrência, em especial da esposa Sandra, interpretada de forma brilhante por Sandra Hüller.
O que temos aqui é uma obra que avalia o escrutínio moral e psicológico de uma personagem que tem sua vida completamente devassada nas diversas sessões de seu julgamento.
Fugindo de forma inteligente do clichê mais óbvio dos filmes do gênero, Anatomia de uma Queda é um estudo primoroso sobre as relações e os olhares e os julgamentos humanos, e como somos reduzidos, de forma muito simples, a pequenos instantes de nossa vida. Neste momento, três gotas de sangue na neve valem muito mais do que a complexidade de uma vida inteira.
MONSTER (2023)
Quando percebe mudanças significativas no comportamento do filho, sua mãe vai aos poucos desvendando um mistério aterrador: a culpa de toda a dor pela qual o filho passa tem como origem as atitudes abusivas de um professor, que persegue o garoto de forma sistemática. O embate da mãe com a diretoria da escola revela-se algo frustrante, resolvido de forma burocrática e impessoal, uma preocupação muito maior com a reputação da escola do que com os efeitos do abuso na criança.
Mas o diretor Hirokazu Kore-eda parece buscar algo mais do que uma narrativa linear. Em determinado momento, o filme passa a contar a mesma história, mas do ponto de vista do professor, quando percebemos, então, que talvez o conflito não esteja sendo contado da forma mais correta. Mais para a frente, teremos novamente a mesma história, mas do ponto de vista do garoto, quando, finalmente, temos todas as peças deste quebra-cabeças.
Monster é uma obra impressionante, com provavelmente uma das conclusões mais belas e tristes dos últimos anos, um raio de sol em meio a uma tempestade que não deixa nada em pé.
OS REJEITADOS (2023)
O professor de história clássica Paul Hunham é um sujeito tão rabugento que até seu sobrenome parece um resmungo. Encarregado de cuidar de alguns alunos que não retornaram para casa no feriado do Natal, ele acaba por criar vínculos com o jovem Angus, que mantém uma relação complexa com sua família. Junto à cozinheira Mary, eles acabam por confrontar gradualmente seus medos e fraquezas, em uma jornada de autoconhecimento que os modificará profundamente.
O professor Hunham é um homem de relacionamentos difíceis, taciturno, sempre recitando frases em latim como forma de demonstrar sua superioridade intelectual diante de seus colegas professores e alunos – algo que, eventualmente, descobrimos ser não apenas uma forma clara de autopreservação, mas também uma evidente dificuldade em lidar com suas emoções e com um passado do qual ele não se orgulha muito.
Mesclando elementos de conto de Natal, road movie e drama familiar, Os Rejeitados é uma parábola impactante sobre as relações humanas. Mesmo seu desfecho agridoce deixa pairando aquele sentimento inegável – ainda que um tanto clichê – de que o Natal pode, de fato, despertar o que há de melhor em cada um de nós. Mesmo que para isso seja necessário explorar profundamente nossos traumas e dores.
GARRA DE FERRO (2023)
Zac Efron entrega aqui esta que é, com certeza, a melhor interpretação de sua carreira, destacando-se como uma presença gigante em todos os aspectos.
Em uma jornada repleta de desafios e sacrifícios, temos uma família enfrenta não apenas os adversários no ringue, mas também suas próprias inseguranças e o peso da realidade.
Em um elenco notoriamente perfeito, vale destacar também Jeremy Allen White, de The Bear, cuja atuação impressionante repleta de nuances é uma das mais doloridas. Não podemos esquecer também o ótimo Holt McCallany, um ator sempre memorável quando bem dirigido.
Com uma história quase inacreditável em sua sequência de tragédias, Garra de Ferro é uma obra que explora o peso dos próprios sonhos desfeitos e de que forma a devoção incondicional – a realizar o sonho de outras pessoas – pode ser insustentável.
Filme lindo, triste e impactante.
FURIOSA (2024)
Dividido em capítulos, o filme volta à infância de Furiosa (interpretada pelas ótimas Alyla Browne quando criança e por Anya Taylor-Joy adulta), raptada por Lord Dementus (Chris Hemsworth, aproveitando cada segundo em tela), um líder tão presunçoso quanto cruel, um personagem tão ferido quanto nossa protagonista, cujo objetivo é conseguir mais e mais poder, quase uma forma de compensar o vazio que sente.
Nesse ponto, o encontro com Furiosa não poderia ser menos que explosivo. Disposta a vingar não apenas a morte de sua mãe como a perda de sua liberdade e, principalmente, o afastamento do paraíso verde onde viveu parte de sua vida, Furiosa torna-se uma figura introspectiva, calculista, fria, analisando cada momento como mais uma engrenagem em seu grande plano de recuperar o que perdeu.
Entregando uma conclusão tão contundente quanto melancólica, Furiosa mostra que as raízes nas quais ela e outras pessoas estão cravadas podem ser vistas de duas formas distintas: a prisão eterna ou a possibilidade de alcançar o ponto mais alto – e a liberdade com a qual ela sempre sonhou.
ASSASSINO POR ACASO (2023)
Poderia ser uma trama das mais bobas e genéricas, mas temos aqui vários pontos que elevam o filme a um outro patamar. Para começar, o filme é dirigido por Richard Linklater, da trilogia ‘Before’ e de obras marcantes como Boyhood e Escola de Rock, entre outros. Ou seja, temos aqui um olhar sensível, capaz de trazer autenticidade e espontaneidade surpreendentes a uma trama que permitiria uma vibe bem mais superficial.
Temos ainda a estrela em ascensão Glenn Powell, que aqui tem um papel daqueles que definem carreiras, aproveitando ao máximo um roteiro coescrito por ele que o permite transitar pelos mais diversos estilos e personagens: cada um dos hitmen que ele encarna é absolutamente melhor que o outro, com figuras que emulam tanto um Patrick Bateman de Psicopata Americano quanto uma insuspeita Tilda Swinton.
Na prática, mais do que uma comédia romântica, Assassino Por Acaso é um estudo interessante sobre a natureza humana e a constante ilusão em que vivemos. Até porque, muitas vezes, criamos máscaras e personagens para esconder nossas inseguranças, tentando mostrar ao mundo uma versão diferente de nós mesmos. E o filme fala sobre isso com uma sensibilidade bem específica.
ENTREVISTA COM O DEMÔNIO (2024)
Sim, o filme na prática é uma versão estendida de algum segmento da série de terror V/H/S. E se alonga um pouco demais na hora de terminar. Fora isso, porém, é um belíssimo mockumentary de horror sobre um apresentador que vai aos extremos para ampliar sua audiência [David Dastmalchian, maravilhoso] e resolve chamar uma jovem que supostamente tem um caso com o tinhoso.
O filme trabalha diversas camadas do horror com competência, com piscadelas que vão desde William Friedkin até Cronenberg, com uma crítica bem incisiva ao entretenimento apelativo que há décadas domina a programação televisiva. Mais do que isso, porém, o filme constrói como poucos uma atmosfera crescente de terror e tensão, desembocando em um clímax tão propositalmente artificial quanto perturbador.
A PRIMEIRA PROFECIA (2024)
Temos aqui um terror classudo, calcado na construção paulatina do clima de horror, aproveitando o conhecimento prévio de alguns espectadores para referenciar o original, mas sem cair na homenagem gratuita que só satisfaz os iniciados.
A diretora Arkasha Stevenson faz aqui um trabalho maduro, de quem conhece os meandros do gênero e a própria gênese do medo, parido a partir do desconhecido e do insondável.
Com uma fotografia e montagem que remete ao cinema setentão, o filme conta com um elenco secundário magnífico [destaque para Sônia Braga como a reverenda-madre sinistra da vez e pontas brilhantes de nomes como Ralph Ineson e Bill Nighy, entre outros].
O filme vai num crescendo cuidadoso que, quando finalmente ouvimos os versos da Ave Satani de Jerry Goldsmith, é uma catarse das mais emocionantes. Desde já, um dos melhores do gênero no ano.
MAXXXINE (2024)
Após o sucesso estrondoso de X e Pearl (ambos de 2022), Ti West finalmente chega com Maxxxine, o capítulo final de sua trilogia de horror que explora diferentes épocas e estilos do gênero. Se os dois primeiros filmes estabeleceram um diálogo com o passado do cinema de horror e fantasia, Maxxxine leva o espectador a uma viagem que transita tanto pelo cinema noir como pelos excessos e glamour dos anos 1980, oferecendo uma crítica afiada sobre a busca pelo sucesso, o mundo ilusório da fama e a exploração do corpo feminino – tema recorrente de toda a trilogia.
Maxxxine não é tão equilibrado como os filmes anteriores na evolução de sua história. Mesmo com personagens secundários interessantes, como o agente de Giancarlo Esposito, a diretora interpretada por Elizabeth Debicki e o policial de Bobby Cannavale, eles parecem estar ali mais para admirarmos sua presença do que para contribuir à trama.
No saldo geral, Maxxxine é realmente o mais fraco da trilogia. Contudo, compensa essa irregularidade narrativa com humor e uma visão certeira sobre uma sociedade marcada pela overdose de sensações e pelo artificialismo, criticando o conservadorismo que sufoca a criatividade da arte em nome de um puritanismo que flerta com o fanatismo. Mesmo ambientado nos anos 1980, Maxxxine é mais atual do que nunca.
A MENINA DO MAR (2024)
Um drama de toques sobrenaturais com elementos de folclore universal, esta produção em cartaz no Max traz elementos que referenciam as obras de Stephen King, a belíssima série Missa da Meia Noite com toques de A Vila do Shyamalan. Discutindo com perfeição temas como o fanatismo religioso e a ganância desmedida, é uma obra que deixa diversos pontos em aberto, oferecendo um enigma tão fascinante quanto aterrador para o espectador.
O que achou da lista até agora? Semana que vem, voltamos com mais 10 dos melhores filmes do ano, em nossa imperdível (ou não) Parte 2.
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