Maxxxine: a deliciosa e exagerada conclusão da trilogia de Ti West

Após o sucesso estrondoso de X e Pearl (ambos de 2022), Ti West finalmente chega com Maxxxine, o capítulo final de sua trilogia de horror que explora diferentes épocas e estilos do gênero.

Se os dois primeiros filmes estabeleceram um diálogo com o passado do cinema de horror e fantasia – algo usual em sua cinematografia – Maxxxine leva o espectador a uma viagem que transita tanto pelo cinema noir como pelos excessos e pelo glamour dos anos 1980, oferecendo uma crítica afiada sobre a busca pelo sucesso, o mundo ilusório da fama e da exploração do corpo feminino – tema recorrente de toda a trilogia.

Em X, West mergulhou no horror cru e visceral dos anos 1970, homenageando clássicos como O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Quadrilha de Sádicos (1977), com aquela estética quase amadora que celebra a violência gráfica e a atmosfera sombria que definiram o horror da década. X, de certa forma, capturava a essência de um período em que o horror se tornava cada vez mais explícito e subversivo, refletindo um cinema que era tanto um espelho dos medos da época como um comentário político sobre um mundo cada vez mais cínico.

Já com Pearl, West mergulhou em uma jornada lisérgica e exuberante em technicolor, inspirando-se não apenas no visual como em todo o simbolismo de O Mágico de Oz (1939). Na prática, Pearl é também um reflexo da decepção de uma sociedade que, após a guerra, viu seus ideais de grandeza desmoronarem diante de uma realidade cada vez mais caótica.

Agora com Maxxxine, Ti West busca registrar com câmeras nervosas o hedonismo e o exagero dos anos 1980. O filme abandona os cenários rurais e a atmosfera bucólica e introspectiva dos filmes anteriores para se jogar em um ambiente repleto de carros nas ruas, becos, prédios, cheio de luzes neon, locadoras de vídeo, cenários artificiais e muita ostentação.

A inspiração de West vem do cinema explicitamente urbano de Martin Scorsese e seus Caminhos Perigosos (1973) e Taxi Driver (1976), assim como dos maneirismos visuais de Brian De Palma e seu viés conspiratório em filmes como Um Tiro na Noite (1981) e Vestida para Matar (1980) e Dublê de Corpo (1984), com o qual o filme conversa diretamente,

O olhar noir de Ti West se edifica, por sua vez, tanto na própria loira fatal representada por Mia Goth (a neta de você sabe quem, cada vez mais próxima do estrelato merecido) como na figura do detetive decadente e desagradável interpretado por Kevin Bacon, um personagem que ecoa Jack Nicholson em Chinatown (1974). Bacon encarna um detetive hipócrita e ateu (até certo ponto), cuja visão excessivamente realista da vida é um contraponto à busca obsessiva de Maxine por sucesso e fama.

O enredo de Maxxxine tem a estrutura de um mistério intrincado (mas nem tanto). A história gira em torno de um serial killer que, aparentemente, está assassinando pessoas próximas a atriz, e cuja identidade pode estar ligada ao passado da protagonista e ao massacre que ela enfrentou no filme anterior.

Maxxxine não é tão equilibrado como os dois filmes anteriores no desenvolvimento de sua história. Mesmo com personagens secundários extremamente interessantes, como o agente casca-grossa de Giancarlo Esposito, a diretora imponente interpretada por Elizabeth Debicki ou o policial e ator frustrado de Bobby Cannavale, fica a nítida impressão de que eles estão ali apenas para admirarmos a presença destas figuras em cena, e não como parte integrante da evolução da trama ou da própria protagonista – assim como  alguns arcos que não funcionam da forma como poderiam.

Até mesmo a própria concepção da metalinguagem cinematográfica (afinal, estamos vendo um filme de uma franquia de terror sobre uma atriz que busca sair do nicho adulto e participa de uma franquia de terror) soa um tanto óbvia. O olhar de Maxine para o motel de Psicose talvez seja um dos momentos em que isso é melhor trabalhado: ela é, ao mesmo tempo, Norman Bates enlouquecendo por conta de seu passado e Marion Crane buscando escapar de um assassino misterioso, tendo como pano de fundo a busca por sua própria identidade.

Isso dá margem a outra questão: a falta de maturidade da protagonista, que poderia ser vista como um problema, é algo que reverbera de forma clara sua personalidade autocentrada, incapaz de ver ou compreender o mundo em que vive. Esta imaturidade é um reflexo direto de sua obsessão pelo sucesso e pela fama, que a cega para as realidades ao seu redor.

Partindo deste conceito, sua visão limitada do mundo é um traço essencial para entender suas motivações. Não é por acaso que suas respostas às ameaças que sofre são tão completamente desmedidas: ela não conhece limites ou a mínima noção de bom senso. Talvez até por isso seja uma personagem tão fascinante em seus defeitos e em sua desconexão com a realidade.

E assim chegamos ao terceiro ato, que é o ponto de disrupção que Ti West abraça com toda força. A revelação final da identidade do assassino (ou assassinos) e seus desdobramentos é algo assumidamente bizarro e exagerado – ainda que coerente -, um desfecho que pode decepcionar alguns espectadores que esperavam um fim, sei lá, mais contido e talvez mais sofisticado.

Ao contrário, West, que parece querer nos dizer que não deveríamos levar o filme tão a sério, investe num clímax que parece saído de alguma noite regada a cocaína e whisky em meio à escrita do roteiro de uma continuação do Showgirls (1995) de Paul Verhoeven, um exploitation de humor ácido e irreverente que desemboca em uma conclusão que se aproxima perigosamente e propositalmente do brega – um atrevimento quase genial e que ainda nos dá uma sequência de créditos finais francamente brilhante.

No saldo geral, Maxxxine é realmente o mais fraco da trilogia. Mas compensa essa irregularidade narrativa com uma comicidade incorretíssima e uma visão certeira sobre uma sociedade marcada pela overdose de sensações e pelo artificialismo, ao mesmo tempo em que critica com propriedade o conservadorismo canhestro de parte desta mesma sociedade, que sufoca a criatividade da arte em nome de um puritanismo que flerta com o fanatismo. Neste ponto, mesmo passados nos anos 1980, Maxxxine é mais atual do que nunca.

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Maxxxine 
Nota: 🎦🎦🎦🎦
Ano de Produção: 2024
Duração: 107 minutos 
Diretor: Ti West 
Elenco: Mia Goth, Kevin Bacon, Bobby Cannavale, Elizabeth Debicki

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