Existe uma lenda que diz que não há filme bom nos serviços de streaming, exceto quando algum medalhão blockbuster desembarca nestes canais. Não é bem assim: os serviços de streaming, em menor ou maior grau, guardam muita coisa boa em seus catálogos. Basta saber onde procurar – ou contar com uma dica esperta, que vai ser o nosso caso hoje.

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Vamos lá então?


MÚSICA (2023) | Prime Video

Música é uma visão autobiográfica do roteirista, diretor e protagonista Rudy Mancuso. Sinestésico, ele involuntariamente transforma todos os sons e ruídos que escuta em notas musicais, o que torna sua vida um tanto confusa, já que ele não consegue se concentrar em nada, seja na faculdade, com a namorada ou com sua mãe brasileira (Maria Mancuso, mãe do ator), que tem certeza que ele só será feliz ao lado de uma garota também brasileira.

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Na prática, o filme não traz nada de novo: os dramas encarados por Rudy são os mesmos de, por exemplo, Andrew Garfield em Tick, Tick, Boom. Não faltam fantoches falantes ou o momento em que ele precisa lidar com a ex e a atual namorada (Camila Mendes) no mesmo restaurante.

Mas é tudo feito de forma tão leve, espontânea, divertida e criativa, que é impossível não torcer para ele tudo de certo na vida do rapaz – e não se surpreenda se você começar a batucar em qualquer lugar assim que o filme terminar.


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LUMBERJACK, THE MONSTER (2023) | Netflix

O 68° filme de Takashi Miike é mais um mergulho nos cômodos mais sombrios da mente. Aqui, temos a história de um advogado com evidentes toques de psicopatia que passa a ser perseguido por um assassino serial conhecido como o Monstro Lenhador. A busca para elucidar os motivos do assassino o levam a uma trama bizarra que envolve um crime do passado, crianças raptadas e chips implantados no cérebro.

Miike não tenta traçar um estudo profundo sobre a gênese do mal no ser humano, mas seu retrato afiado sobre as mazelas de uma sociedade doente é suficientemente intrigante para segurar a atenção de forma bem efetiva.

Mesclando elementos de Psicopata Americano com Pânico e com um gore caprichado e exagerado em seus esguichos quilométricos de sangue, este Lumberjack é mais uma adição relevante a filmografia de um cara tão prolífico quando criativo.


BEEKEEPER: REDE DE VINGANÇA (2024) | Prime Video

Neste filme, Jason Statham faz o papel de um cara misterioso, caladão, mal encarado, que na verdade é um ex-integrante de uma agência secreta, uma máquina de matar incontrolável que vai ser vingar daqueles que prejudicaram uma pessoa querida.

Ou seja, o mesmo papel de 90% de seus filmes. O bom de Beekeeper, porém, é que ele não se leva a sério em nenhum momento: ciente do absurdo de seu roteiro, o diretor David Ayer não perde tempo em desenvolver personagens ou mesmo criar qualquer tipo de relação entre eles.

Após o suicídio da amiga, causado pelo golpe de uma quadrilha cibernética, nosso querido Statham já está explodindo um edifício com menos de 20 minutos de filme. E isso é só o começo!

O filme traz no elenco nomes como Josh Hutcherson e Jeremy Irons, além de pontas meio sem sentido como a da saudosa Minnie Driver. As sequências de ação são bacanudas e bem coreografadas, com Statham no melhor estilo John Wick saindo na porrada com dezenas de pessoas e invadindo os lugares mais protegidos do mundo sem muito esforço.

E no fim do filme, você ainda sai com uma lição de vida: nunca clique em links suspeitos!!


UMA IDEIA DE VOCÊ (2024) | Prime Video

Depois de superar o impacto de ver Anne Hathaway naturalmente fazendo o papel de mãe de adolescente, há grandes chances de você curtir essa produção. O argumento tem toda a cara daquelas comédias românticas de sessão da tarde, mas é conduzida com um certa sobriedade e alguns momentos até bem tocantes. Hathaway faz o papel de uma recém-quarentona que se envolve com o (muito sortudo) líder de uma boy band que ela conhece de forma inusitada no festival Coachella.

O filme trabalha com relativa eficiência temas relacionados à superexposição nas redes sociais, etarismo, expectativas e frustrações. Há um monólogo em que Hathaway conta sobre sua separação que deve estar entre os melhores momentos da atriz no cinema. É uma pena, portanto, que o terceiro ato acabe soando meio redundante, com um vai e vem no relacionamento dos dois bem repetitivo e uma conclusão pra lá de adocicada. Mas vale pela atuação da atriz e pelo bom ritmo estabelecido pelo diretor Michael Showalter, que há tempos vem entregando ótimas obras como Os Olhos de Tammy Faye (Star+) e o lindão Doentes de Amor (Prime Video).


GRANDES HITS (2024) | Star+

Após a morte do namorado, uma jovem descobre que é literalmente levada ao passado sempre que escuta alguma música que eles ouviram juntos. Ela percebe, então, que tem nessas idas e vindas a possibilidade de salvar a vida do rapaz antes do acidente.

Carregado com uma melancolia palpável, o filme é uma mescla curiosa entre Questão de Tempo e Efeito Borboleta, com a jovem descobrindo que talvez sejam necessários sacrifícios ainda maiores para preservar a vida de seu namorado. E ainda que a conclusão se torne bem previsível, é bacana ver um filme de teor romântico e fantasioso que não se renda a uma toada mais leve e acessível. Muito ao contrário.


VIDA (2017) | Prime Video

Life bebe direto da fonte de filmes como Alien e similares, mas reveste-se de uma personalidade toda própria. O diretor Daniel Espinoza não faz questão de disfarçar sua inspiração para este absurdamente competente e tenso filme de terror ambientado no espaço.

Ao contrário das novas versões do monstrão que sangra ácido, que tentam complicar o que não deveria, aqui temos um horror direto, bruto, tenso, sem firulas ou condescendências – com uma das criaturas mais interessantes e misteriosas do gênero.

Vida entrega aquilo que todo fã do gênero deseja, recheado por efeitos visuais que beiram a perfeição, uma direção de arte claustrofóbica, uma trilha sonora dissonante e uma conclusão corajosa e apocalíptica como poucas. Tenha medo. Tenha muito medo!


LOUCAS EM APUROS (2023) | Prime Video

O subgênero de comédia ‘amigos/amigas aprontando altas confusões’ volta e meia retorna com alguma obra bem divertida.

É o caso deste Joy Ride, que conta a história de quatro amigas que se aventuram numa viagem pela China, que começa de forma bem profissional e logo vai adentrando naquele universo caótico e surreal que a gente tanto gosta.

Com uma ótima dose de incorreção, fundamental para o estilo, o filme capricha nas gags de cunho social, racial e sexual, não deixando pedra sobre pedra nesta trama que consegue ser absolutamente porralouca ao mesmo tempo que se estabelece como uma ótima discussão sobre a amizade, a família e a formação da identidade de cada uma das protagonistas.

Vale dizer que boa parte do sucesso desta fórmula conhecida se deve à química entre as atrizes (que estão todas ótimas), com destaque para a atriz interpretada por Stephanie Hsu, cujo arco de sua tatuagem íntima é uma das coisas mais hilárias dos últimos anos.

Estreia da diretora Adele Lim, roteirista de Podres de Ricos, Joy Ride é uma obra que não reinventa a roda, mas que sabe usar todos os clichês e cânones do gênero de forma a criar uma obra que gera gargalhadas incontroláveis com inteligência e uma completa falta de bom senso.


O SEQUESTRO DO VÔO 375 (2023) | Star+

Tenho poucas lembranças do evento em si, mas o registro cinematográfico desse sequestro – que poderia ter sido uma tragédia ainda maior – não poderia ser melhor. Do mesmo diretor de Bruna Surfistinha, o filme é uma obra tensa do início ao fim, com um controle narrativo absurdo, numa trama repleta de lances inacreditáveis no qual o ritmo jamais cai, deixando o espectador numa taquicardia constante.

O filme resgata a história do maranhense Raimundo Nonato que, por conta do descalabro econômico do governo Sarney, decide sequestrar um avião e jogá-lo no Palácio do Planalto. O filme se concentra em três figuras principais: Nonato, interpretado com nervosismo e sangue no olho por Jorge Paz, o piloto Fernando Murilo [Danilo Grangheia, no melhor estilo Tom Hanks em Sully] e a operadora de voo interpretada por Roberta Gualda [de longe, mas muito longe, a melhor coisa do filme].

Tecnicamente, o filme dá suas derrapadas, principalmente nas cenas de decolagem e pouso [e dá para pensar que alguns dias a mais de renderização resolveriam facilmente o problema], mas na maior parte do tempo os efeitos funcionam de forma exemplar, auxiliados por um belíssimo cuidado na execução e montagem das sequências e um elenco de apoio que consegue se apavorar com autenticidade.

Usando com inteligência todos os clichês e cânones do gênero, o diretor Marcus Baldini ainda assim consegue criar uma obra com identidade própria, brasileira, e com uma reconstituição de época deliciosa.


A NOITE QUE MUDOU O POP (2024) | Netflix

We are the world. We are the children.

Este documentário traz os bastidores da gravação de uma das canções mais famosas da história. Inspirados pelas ações de Bob Geldof e seu Live Aid, Lionel Ritchie e Michael Jackson compuseram uma canção que deveria ser interpretada pelos mais famosos nomes do show business americano: Bob Dylan, Billy Joel, Tina Turner, Bruce Springsteen, Ray Charles, Stevie Wonder, Cindy Lauper, entre outros. Tudo isso, porém, precisava acontecer em uma única noite, por conta da agenda atribulada de todos os envolvidos.

Para além dos depoimentos atuais e da logística envolvida na gravação, o que torna o documentário tão delicioso é a atmosfera de caos aleatório que reinou na noite em questão, com estrelismos de algumas partes, uma dose de insegurança de outros, mas todos com o desejo real de criar algo que pudesse mudar a realidade da fome na África naquele momento.

Entre os instantes mais maravilhosos, temos Stevie Wonder querendo incluir trechos em suaíli na música, um a capella arrepiante de Michael Jackson, Cindy Lauper e seus brincos atrapalhando a gravação, Bob Dylan sem ter a menor ideia do que fazer ali e Diana Ross emocionada por uma noite inesquecível.

É um documentário convencional e sem muitas inovações, mas seu conteúdo puro e simples do dia da gravação é algo que merece ser visto.


A CORTE MARCIAL DO NAVIO DA REVOLTA (2023) | Paramount+

É uma trama que já originou outros filmes, como A Nave da Revolta, de 1954. Aqui, o destaque é ter sido o último filme de William Friedkin. Com mais de 80 anos, o veterano diretor demonstra aqui uma firmeza surpreendente, não perdendo jamais o ritmo dentro de uma obra que é nada mais do que um teatro filmado.

Para isso, ele conta com um olhar apurado sobre o comportamento humano frente a situações-limite, além de uma interpretação impressionante de Kiefer Sutherland, provavelmente em seu melhor papel no cinema.


SOBREVIVENTES: DEPOIS DO TERREMOTO (2023) | Prime Video
Esta caprichada produção sul-coreana funciona como uma parábola sobre o comportamento humano frente a tragédias, mas sem as benesses da solidariedade.
Após um terremoto gigantesco, um único edifício parece ter resistido na cidade de Seul. A princípio, os moradores acolhem os desabrigados, mas a falta de recursos faz com que eles decidam mandar todos embora.

O filme, a partir daí, levanta temas como a síndrome do micropoder, o efeito manada, o autoritarismo e a desumanização nesta distopia em que as regras que regem a sociedade pouco valem. Mesmo sem muita novidade, o filme compensa pelo cenário apocalíptico e pelo bom ritmo imposto pelo diretor Taehwa Um.