NOTA: 2/5

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AQUI é uma daquelas produções que prometem algo grande, quase revolucionário, mas que, no fim das contas, deixam o espectador com uma sensação de vazio. Baseado em uma graphic novel brilhante, de autoria de Richard McGuire, o filme tenta replicar a experiência inovadora dos quadrinhos na telona: acompanhar o mesmo espaço físico ao longo de séculos, revelando as mudanças que este testemunha enquanto explora temas como memória, família, ciclos históricos e a passagem do tempo. A execução de Robert Zemeckis, entretanto, transforma essa ideia promissora em um exercício técnico frio e desprovido de alma.

É especialmente triste ver isso vindo de um diretor que já foi um dos grandes narradores do cinema. Com obras como De Volta Para o Futuro, Forrest Gump, Contato, A Morte Lhe Cai Bem e Náufrago, Zemeckis demonstrou, no passado, sua capacidade de emocionar e envolver o público. No entanto, há quase 25 anos ele parece mais interessado em explorar os limites da tecnologia do que qualquer outra coisa. Sua fase com captura de movimento (O Expresso Polar, Beowulf, Os Fantasmas de Scrooge) nunca rendeu os resultados emocionais esperados e seus últimos filmes, como Pinóquio e Convenção das Bruxas foram frustrantes. AQUI segue o mesmo caminho, sacrificando a humanidade da narrativa em nome de uma obsessão estética.

E olha que o ponto de partida do filme é realmente fascinante: a câmera fixa em um mesmo local enquanto os séculos passam nos permite refletir sobre como as histórias humanas estão interligadas, como evoluímos enquanto sociedade e como certos valores e dinâmicas familiares mudam – ou permanecem inalterados – com o tempo. A ideia de acompanhar a história sendo escrita a partir de um mesmo ponto de vista, desde os dinossauros, com seus momentos de glória e tragédia, é extremamente poderosa. É um convite a enxergar o impacto das escolhas individuais dentro de uma perspectiva maior, ao mesmo tempo em que conecta memórias pessoais com um legado coletivo.

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No entanto, a execução não faz jus à proposta. A narrativa, que poderia ser um mosaico emocional e épico, é superficial e apressada. Cada cena dura menos de três minutos, o que não dá espaço para que o espectador se envolva com os personagens ou suas histórias. Mesmo com Tom Hanks liderando o elenco, o foco na família de seu personagem – tanto seus pais quanto seus descendentes – é diluído em transições não lineares que tentam ser poéticas, mas acabam sendo confusas e repetitivas. O filme tenta contrastar momentos históricos próximos e distantes para criar paralelos, mas a tentativa, na maioria das vezes, soa redundante ou até mesmo constrangedora.

Há uma discussão profunda enterrada ali nas diversas camadas que se sobrepõem a cada minuto, sobre como nossas memórias e escolhas impactam as gerações futuras, sobre o peso das tradições familiares e como as relações que construímos – ou destruímos – moldam a perenidade de nossa existência. Mas tudo isso é tratado de forma tão apressada e superficial que o espectador mal tem tempo de digerir o que está acontecendo antes que o filme salte para a próxima cena.

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Pior ainda, o roteiro desperdiça tempo com arcos desinteressantes, como o de um piloto de avião em crise com a esposa ou de um casal fogoso e sua cadeira inovadora [sim, é isso mesmo] que pouco contribui para o todo. Mesmo quando o filme se arrisca em algum discurso social mais contemporâneo, tudo parece excessivamente planejado, como se o roteirista Eric Roth se visse na obrigação de colocar estes momentos ali para mostrar que não está apenas discutindo problemas da classe média branca americana.

Enquanto isso, a estrutura narrativa, com sua câmera fixa, que deveria ser um recurso poderoso, logo se torna uma prisão que sufoca a história. E a estética digital, marcada por efeitos visuais exageradamente sintéticos [nem o cachorro se salva de ser digital], mergulha o filme no conhecido “vale da estranheza”, afastando o espectador emocionalmente e comprometendo qualquer possibilidade de imersão. O rejuvenescimento de Tom Hanks e Robin Wright até que é bem feito, mas a sensação de algo não natural é gritante. Aquela coisa: nós sabemos como era o Tom Hanks mais novo, e aquele ali não é o Tom Hanks mais novo.

O resultado é um filme que tenta impressionar visualmente, mas que falha em capturar a essência do que faz uma história ressoar: a conexão humana. Em AQUI, as ideias são grandiosas, mas a execução é tediosa, transformando um conceito rico e profundo em algo frio e tecnicamente exibicionista. Ainda torço para que Zemeckis, um dia, redescubra o contador de histórias que ele foi no passado – aquele que sabia que nenhuma tecnologia é mais poderosa do que uma história contada com emoção e sensibilidade.


🎥 AQUI
Título original: Here
Direção: Robert Zemeckis
Elenco: Tom Hanks, Robin Wright, Paul Bettany e Kelly Reilly
Duração: 2h00

Aqui é uma viagem emocional e visual baseada na graphic novel de Richard McGuire. A trama explora o mesmo canto de uma sala ao longo de séculos, mostrando momentos marcantes e cotidianos que ocorreram naquele espaço, conectando diferentes épocas e histórias.