Bares em bairros de Curitiba mantêm história de famílias e prolongam geração no comércio

Família reunida trabalhando no Armazém Santa Ana. Foto: Gustavo Marques/Tribuna do Paraná

O balcão de bar é sagrado e a sequência na administração do comércio comprova o amor, carinho e muita disposição em prol da família. Em Curitiba, vários botecos seguem esse legado a décadas, alguns passando de 90 anos. Bar-Bearia do Jean, Bar Nella, Armazém Santa Ana, Bar do Edmundo, Silzeu´s e Zezito´s são alguns dos lugares que o ensinamento de servir passou de geração, sem esquecer do bisavô dos bares, o Makiolka.

A Bar-Bearia do Jean, na Getúlio Vargas com a Desembargador Westphalen, no bairro Rebouças, tem no comando pai e filho que faz do negócio a união segura do gole com a tesoura. Jefferson Tillmann, 47 anos, filho do João Tillmann, 80 anos, com mais de 60 anos de experiência no trato capilar levam a estratégia dos antigos barbeiros, uma arte em extinção nas grandes cidades em que o profissional realiza o corte do cabelo e faz a barba de maneira clássica, espuma na tigela de prata em uma prateleira com produtos em garrafas transparentes, pentes de todos os estilos, tesouras um pouco desgastadas com o tempo e cadeiras de madeira dos tempos da “brilhantina”.

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Já na parte do bar, local em que se entra no recinto, o ambiente é de boteco raiz. No balcão, estão as conservas que todo botequeiro curte – cebolinha, ovos de codorna, jiló, salsichas, salames e prateleiras com salgadinhos que combinam perfeitamente com a cerveja. Aliás, bera gelada e drinques quentes à disposição dos frequentadores da Bar-Bearia do Jean.

Questionado se o pai aprovou a colocação de um bar no salão, algo nem sempre é aceito pelos antigos, Jean reforçou que o apoio veio no primeiro dia. “Ele começou tudo isso, é uma pessoa do bem e todos gostam dele. Ele é meu exemplo de vida, sigo com orgulho a profissão que ele tanto ama”, valorizou o filho que está na lida há 25 anos.

Bar Nella

Localizado na Rua Macapá, 430, o Bar Nella, no bairro Tingui, o menor em área na região norte de Curitiba, é a expansão de uma casa de respeito, fé e ao apoio familiar sob a batuta do Mauro e da Carminella. Na década de 1980, a família residia em São Paulo quando decidiu vir para Curitiba. Anos depois, o já aposentado Mauro, aproveitou a proximidade do Colégio Estadual Maria Montessori, na Rua Guilherme Ihlenfeldt, para vender doces pela janela de casa.

Com o passar do tempo e o surgimento de mercados, o ponto passou a ter mais jeito de boteco, sendo conhecido na região como Bar do Mauro. Quem foi pegando gosto pelo comércio foi a italiana Carminella, que deixou o país europeu com 15 anos de idade. “A mãe foi extremamente guerreira. Conhecida como Nella, ela aprendeu a fazer troco e abraçou o serviço.  Foi fundamental, cuidava da casa, dos filhos e do bar quando o pai não estava. Fazia comida para os clientes e se realizava”, disse André Zacchi, atual administrador do Bar Nella, e caçula dos irmãos Mauro Jr, Lauro (já falecidos) e da Patrícia.

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O Bar Nella é clima bom, descontração de amigos, pouca formalidade, um boteco raiz de bairro com rollmops no balcão, pote azul de plástico com amendoim e muito respeito envolvido. “Estamos aos poucos conseguindo isso, não temos garçom. Alguns esperam o atendimento na mesa e acham estranho. O bar tem um significado muito maior que um simples comércio, é ensinamento de vida. Crescemos e fomos criados aqui, a geração é do bairro. A mãe mostrou a importância de estar em família, essa é a essência. Tudo é feito com amor, completou André, o caçula que tem na pele o carimbo da família que está em festa lá no céu.

Armazém Santa Ana

No Uberaba, o Armazém Santa Ana, completou 90 anos de fundação com essência familiar reunindo centenas de itens e produtos capazes de promover uma viagem histórica sem sair do lugar. Oficialmente, o Armazém Santa Ana foi inaugurado em maio de 1934, de frente para a única estrada que ligava Curitiba a São José dos Pinhais e também a Santa Catarina (atual Avenida Senador Salgado Filho), quando ao redor tudo era mato.

No mesmo molde de antigamente com a manutenção da casa de cor laranja, prateleiras, balcão, diversidade de compotas e embutidos, além dos tamancos até estilingue para venda, os clientes tem três bons espaços na casa para aproveitar o chope gelado e a famosa carne de onça. “Seguimos essa tradição, as pessoas mais velhas seguem comprando o pão, o ovo caipira, salame e queijo. São produtos coloniais de ótima procedência, fora o pierogi e porções que utilizamos a mesma receita da vó Julia”, comentou Fábio Szpak, bisneto do fundador e atual administrador do Armazém ao lado da irmã Ana, que tiveram no pai Pedro um grande exemplo para seguir.

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Bar do Edmundo

Da pipoca ao bucho à milanesa mais vendido em Curitiba. A história dos suecos Stromberg na movimentada Avenida Erasto Gaertner reforça que honestidade, trabalho e família são pilares para o sucesso. O Bar do Edmundo, fundado em 1965, no bairro Bacacheri, é ponto de encontro daqueles que apreciam o bom e velho boteco. 

O Bar do Edmundo tem no comando o José Edmundo Stromberg, filho do Edmundo e da Maria Mendes. O casal já falecido deixou um enorme legado. A chegada do bucho chegou por um açougueiro chamado André. Certo dia, ele conversou com a Dona Maria, e comentou que a esposa fazia bife de bucho à milanesa. “Ele aconselhou a mãe a fazer e ela fez. Colocou na estufa do bar e as pessoas comiam com pão. O bucho esticava todo. No fim do dia, a clientela pedia o bucho no pratinho. Forrava de gente na calçada, o prato passava de mão em mão, aí pegou na boca da turma como o bar do bucho”, relembrou José Edmundo, que assumiu o bar em 1984, já no atual endereço que serviu de residência para a família. 

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Ao entrar no Bar do Edmundo é impossível não sentir a famosa energia de boteco. Com as paredes nas cores laranja e preta, mesas e cadeiras de madeira, balcão com conservas, quadros com cenas de filmes e esportes compõem a decoração com fotos dos familiares. Um deles é especial, retrata um passeio do pai Edmundo e da mãe Maria Mendes cercada pelos filhos. “O bar é meu oxigênio, não consigo pensar em aposentadoria. A socialização é o mais importante, ajuda a evitar a depressão e faz a cabeça trabalhar. Trago do meu pai esse ensinamento, ele era meio rude, mas ensinou como ninguém a forma de atender o cliente. A gente conversa, atende e vive”, valorizou o José Edmundo.

Silzeu´s

Com 60 anos de tradição e na terceira geração do balcão, um bar reduto de histórias que se tornaram lendas na cultura botequeira de Curitiba. O Silzeu´s, lugar que virou casa para muitos jovens nas últimas décadas com um clima convidativo a curtição, boa música e ótimas lembranças saiu do bairro Vista Alegre para Santa Felicidade levando o mesmo bom atendimento.

O início dessa trajetória de sucesso começou em 1964. Desafiando o machismo, Sirty Alves Santos decidiu ao lado do esposo Orlando, abrir uma espécie de secos e molhados, a Mercearia Iguaçu, na Rua André Zanetti, no Vista Alegre. Vendia-se desde prego, serrote, quirera, sementes e bebidas. Os mais chegados tinham acesso a uma combinação servida pela dona: pão com omelete e pinga. O sanduíche era conhecido como Iguaçu e virou sensação.

No fim da década de 1980, o ponto passou para as mãos do filho, Silzeu Santos, e continuou funcionando por um período como lanchonete/bar, já com o nome Silzeu’s na Rua Arthur Leining,730. Universitários, jornalistas, radialistas e funcionários das emissoras de televisão e rádios que trabalhavam por perto eram frequentadores assíduos. Luiz Carlos Alborghetti e Ratinho iam com frequência ao Silzeu’s comer o pepino azedo na folha de parreira ou o bolinho de carne, receita da família usada até hoje.

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Com o falecimento de Silzeu Santos, em 2009, quem assumiu a casa foi o filho, Silzeu José Santos, neto de dona Sirty. Com o sangue botequeiro na veia, colocou a alma e a família no bar em Santa Felicidade, após o dono do local na Vista Alegre pedir o imóvel.

No Silzeu´s Santa Felicidade, o ambiente é decorado com mais de 300 camisas de times de futebol e monitores exibindo as partidas. Além disso, prateleiras com bebidas, engradados de cerveja e a essência de boteco relembram o antigo espaço na Vista Alegre. “Com o tempo foi vindo mais família, a turma do futebol e transformou o ambiente. Modernizei com o espaço kids, fliperama, mas mantenho os petiscos de bar, cerveja gelada e animação. Digo que cuidar de bar é escravidão, mas é espetacular esse mundo. Sou uma pessoa realizada por levar o nome da família na história da noite de Curitiba”, completou Silzeu Santos, filho da Maria Elisabete e do eterno Silzeu.

Bar Zezito´s

O boteco em sua essência é uma lenda por excelência. A frase define o Zezito´s, bar localizado no bairro Água Verde, em Curitiba. Com quase anos, o comando está na terceira geração da família que começou com um pequeno comércio e hoje está no coração dos curitibanos.

Localizado atualmente na Dom Pedro I, coração do Água Verde, o Zezito´s traz recordação e boas memórias. O ambiente é de nostalgia, e isso reforça o brilhante trabalho dos antigos donos que priorizaram em algum momento da vida a família. Por mais de 30 anos, José Negrão ficou à frente do negócio até ser substituído pelo filho Juca, um grande comerciante e amigo dos clientes.

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Em 2010, dois anos após estar formada em Arquitetura, Caroline Negrão, filha do Juca, decidiu trocar as obras pelo balcão. “O bar é mais divertido e interessante comparado à Arquitetura. Tem mais contato com as pessoas e foquei no boteco”, disse Caroline. 

Para agosto de 2025, a festa de 70 anos do Zezito´s vai contar com a participação dos clientes. A ideia é fazer um grande evento para celebrar e comemorar a data. “Há cada 10 anos fazemos uma festa, e a de 70 anos, faremos a organização em conjunto com os clientes. Queremos música, aperitivos e boa bebida. Adorei a ideia dada por uma cliente, faremos juntos. O Zezito´s tem o dedo de todos”, completou Caroline, empreendedora e ótima anfitriã. 

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