Dalton Trevisan completa 90 anos neste domingo (14). Muito menos misterioso que Elena Ferrante e mais discreto que Rubem Fonseca, o escritor curitibano carrega consigo a imagem de outsider literário. Em tempos de feiras e festivais literários ao redor do mundo, Dalton parece se manter incólume à exposição exagerada, tentando preservar a si e à sua obra.
Durante a entrega do prêmio Portugal Telecom em 2007, honraria à qual não compareceu, o Vampiro de Curitiba disse – por meio de uma representante – que a figura do autor pouco importava e que o que realmente valia era o livro. E não estava errado. A sua reclusão só vem a confirmar essa espécie de lema literário que o escritor leva consigo há tantos anos.
Figura importante da literatura paranaense, o autor de A Polaquinha (1985) e Novelas nada exemplares (1959) criou a revista Joaquim que circulou entre 1946 e 1948 e acabou justamente por fazer sucesso demais. As histórias sobre o fim da revista são as mais diversas – e divertidas – inclusive de que, após receber um elogio público do Deputado Gilberto Freyre, Dalton teria se enfurecido e encerrado as atividades.
Ulisses em Curitiba
A 21ª e última edição da Joaquim, publicada em dezembro de 1948, trazia a primeira parte do conto “Ulisses em Curitiba” e anunciava que a revista de número 22 teria a conclusão do texto. Ainda assim, o criador não poupou a criatura e a decepou. Com o fim da revista, o conto ficou sem final.
A derradeira edição tinha também um anúncio do livro Sete anos pastor (1948), obra que o próprio autor fez questão de esquecer.
Uma das raras vezes em que Dalton ‘se deixou’ fotografar. Foto: Reprodução. |
Pequenos demônios
A literatura de Dalton Trevisan é a literatura da carne. Joões e Marias. Balas Zequinhas. Rio Belém. Cenários e personagens se repetem vertiginosamente em uma prosa lapidada e esculpida pelo minimalismo obsessivo e perfeccionista do Vampiro. É impossível não notar o cotidiano da gente simples de Curitiba.
O retrato é fiel, mas não é bem esse o universo do escritor. Morando há muitos anos na mesma casa no Alto da Glória, Dalton pode ser visto pelas ruas próximas – e até cruzando a XV de Novembro – praticamente invisível, mas não qualquer amigo que o tenha encontrado nos locais mais sujos da cidade.
Essa ‘distância’ explica o susto da família do autor ao ler seus primeiros contos. Quando perguntado por Luiz Vilela, em 1968, se seus irmãos liam o que escrevia, o curitibano disse que sim, mas que preferia que não o fizesse. “Eles devem pensar: como uma pessoa educada com carinho, nos melhores sentimentos, se tornou esse monstro moral?”
Para o jornalista e escritor Edilson Pereira, Dalton revela a realidade dos “pequenos demônios de Curitiba, pessoas que os demais olhavam e não enxergavam”.
Universal
Curitiba é somente a plataforma, uma parte da literatura daltoniana – já traduzida na Alemanha, na Holanda, na Argentina e Estados Unidos.
“Dalton não é curitibano, ele é brasileiro. Diria até que ele é latino-americano ou universal”, comentou Pereira e completa: “Dalton é um dos raros escritores originais”. O jornalista comenta que grandes escritores, como Kafka, Joyce e Borges. são lembrados ,por sua literatura pessoal.
O escritor Marcos Peres, autor de O Evangelho segundo Hitler, coloca Dalton como um soberano das palavras, “um altar, tão fugidio e não comprovável quanto qualquer postulado religioso”. Na sua visão, a Curitiba de Dalton é um contraponto à imagem de cidade sorriso e ecológica que transborda nos comerciais.
“A Curitiba organizada, modelo, dos shoppings e das férias, de repente, virava uma cidade escura, hermética, violenta, permeada de vampiros notívagos, de encontros furtivos, de pontes sem rio por baixo e de lambaris do rabo dourado. Dalton, como outros gigantes, mostrou-me a possibilidade de ser espectador e ouvinte, testemunha e recriador de seu povo, de sua gente, de sua cidade”, comentou.