“Philomena”, livro-reportagem e o jornalismo literário

Na semana passada falei sobre o livro “12 Anos de escravidão”, que deu origem ao longa de mesmo nome. Continuando na mesma leva, hoje é a vez de “Philomena: uma mãe, seu filho e uma busca que durou cinquenta anos”, do jornalista inglês Martin Sixsmith – que serviu como base para o roteiro do filme “Philomena” que concorre ao Oscar de Melhor Filme.

Sixsmith, que estava com sua carreira no buraco após sair da BCC, acaba se interessando – ainda que forçosamente – pelo caso de um mulher que sai em busca de seu filho, tomado por freiras irlandesas e vendido à uma família americana. Para conseguir o paradeiro de Anthony Lee, o jornalista busca as pistas, tal qual Sherlock Holmes, que podem ajudá-lo a elucidar o caso. O que Sixsmith faz é uma mistura de livro-reportagem e jornalismo investigativo, uma saara pela qual passaram nomes como Truman Capote (1924 – 1984), com o clássico “A Sangue frio” (1966), Gay Talese, com “A Mulher do próximo” (1981) e “Honra teu pai” (1971), e Hunter S. Thompson (1937 – 2005), criador do jornalismo gonzo e de livros como “Medo e fúria em Las Vegas” (1971) e “Hells Angels” (1966).

Como se vê, a técnica não é nova, mas tem sido apagada pelo imediatismo da internet e instantaneidade da informação, já que um livro-reportagem pode levar anos para ser escrito – “A Sangue frio” começou a ser rascunhado em 1959, ano em que se passa o assassinato da família Cuttler, mas só ganha forma final sete anos mais tarde. “A Mulher do próximo” levou oito anos para ficar pronto e quase decretou o fim do casamento de Talese.

História e crítica

Quando Capote, que já era um romancista de prestígio, começou a escrever “A Sangue frio” não usava gravadores, nem blocos de anotações: todas as informações que precisava ficavam em sua memória, o que gerou grande controvérsia. Em meados da década de 1960 o autor disse ao jornal New York Times que a presença de um gravador ou o ato de escrever o que era dito pelo entrevistado prejudicavam a qualidade do seu trabalho. Como o livro está repleto de diálogos e afins, os críticos não demoraram em contestar os diálogos presentes na obra.

Enquanto Capote se valia do relato de outros, Thompson vivenciava o que escrevia. Thompson se envolvia ardentemente com o que escrevia, colocando a sua própria vida em risco. Em 6 de dezembro de 1969 ele estava no fatídico show do Rolling Stones em que os Hells Angels foram contratados como segurança e se envolveram em um confusão generalizada com a plateia.

O jornalista americano John Hersey (1914 – 1993) foi designado pela revista “The New Yorker” para cobrir os efeitos da bomba atômica que caiu sobre a cidade japonesa de Hiroshima, em 1945. O texto, após grandes alterações, que deixou o autor furioso, foi publicado na edição de 31 de agosto de 1946 e dois meses depois ganhou as livrarias pela editora Alfred A. Knopf, que valeu a Hersey o Prêmio Pulitzer.

O maior triunfo de “Hiroshima” (1946) foi “popularizar” – por meio da revista – o jornalismo literário contando não só as consequências do ataque norte-americano, mas também o que cada um dos personagens fazia no exato momento em que a bomba caiu sobre a cidade.

No Brasil

O primeiro jornalista brasileiro a se dedicar à simbiose jornalismo-literatura foi João do Rio (1881 – 1921). Dândi e discípulo de Oscar Wilde (1854 – 1900), o carioca flanava pelas ruas da cidade em busca de personagens e histórias para contar. Das andanças surgiram livros como “As Religiões do Rio” (1904) e “A Alma encantadora das ruas” (1908), que se transformaram em clássicos da narrativa jornalística.

João do Rio serviria de alicerce para a construção da obra de Joel Silveira (1918 – 2007), um sergipano autodidata que, por divergência com seu pai, se mudou para o Rio de Janeiro, em 1937, e trabalhou em jornais como O Es,tado de S. Paulo, Diário de Notícias e Correio da Manhã. Silveira que era um homem de esquerda, conseguiu entrar nos bastidores da Golpe Militar de 64 e participar (como jornalista) de um jantar decisivo para a revolta dos militares.

Os relatos desse episódio estão no livro “A Feijoada que derrubou o governo” (2004). A audácia de Silveira beirava o perigo, andando lado a lado com figuras fundamentais da história brasileira como Juscelino Kubitschek (1902 – 1976), João Goulart (1919 – 1976) e Jânio Quadros (1917 – 1992). Durante os anos de atividade de Joel Silveira, Getúlio Vargas (1882 – 1954) foi uma das únicas pessoas recusar um pedido de entrevista. Segundo o jornalista, o presidente suicida esmagou o que sobrou de seu charuto e foi embora. Obviamente, a cena não escapou à pena imortal de Silveira.

Atualmente, se destacam no Brasil nomes como Eliane Brum, Zuenir Ventura e Daniela Pinheiro. A revista “Piauí” é um dos poucos veículos impressos que se dedicam ao jornalismo literário com um afinco maior que o normal.

Paraná

O Paraná também é um celeiro do jornalismo literário. Um dos maiores nomes “do ramo” no estado é Aramis Millarch (1943 – 1992). Nascido e criado em Curitiba, ele trabalhou no O Estado do Paraná, Gazeta do Povo e outros periódicos paranaenses. Millarch era dono de uma vasta cultura (erudita e popular), colecionava livros, discos e entrevistas com as principais personalidades do país.

Os seus mais de 30 anos de carreira foram compilados em um box composto por 8 DVDS-ROM com muitas das 570 entrevistas que realizou durante a vida. (Entre as entrevistas de Toquinho, como era chamado, estão conversas com João Gilberto, Francis Hime e Elis Regina.) O time curitibano de jornalistas literários só fica completo com nomes como Nacim Bacila Neto e Francisco Cardoso – ambos já falecidos.

O jornal “Nicolau”, comandado pelo escritor Wilson Bueno (1949 – 2010), usou as suas páginas contar a história do Paraná em um viés mais literário e poético. A revista Helena, uma homenagem a Helana Kolody (1912 – 2004) retoma a herança deixada por “Nicolau” e traz as belezas naturais e culturais do estado em uma mistura interessante de prosa e poesia, jornalismo e ficção.

Porém, não é preciso voltar no tempo para falar de jornalismo literário. O jornalista Edilson Pereira, colaborador da Tribuna e do Paraná Online é um dos melhores exemplos do que está sendo feito atualmente. Pereira. que é responsável por séries de reportagens como a Tribuna da Verdade, se vale de sua experiência na literatura para recontar histórias que abalaram as estruturas da sociedade curitibana.

Muito ainda há de dar o que falar esse tal jornalismo literário, muito…

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