Baseado na Lei de Acesso à Informação, o jornalista da revista “Época”, Marcelo Bortoloti, havia solicitado a abertura de uma das poucas cartas do modernista Mário Andrade que ainda estava lacrada. O pedido foi feito em fevereiro e somente agora a Controladoria-Geral da União ordenou a sua abertura à Casa Rui Barbosa.
No texto, endereçado ao poeta Manuel Bandeira, Mário comenta sobre a sua “tão falada” homossexualidade. Durante anos, um verdadeiro mistério pairou sobre a orientação sexual do poeta que integrou a Semana de Arte Moderna de 1922 e é autor de Macunaíma, um dos livros mais importantes da literatura brasileira.
Confira um trecho do carta:
“Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria (sic) para nós ambos, para você, ou para mim, comentarmos e eu elucidar você sobre minha tão falada (pelos outros) homossexualidade. Em nada. Valia de alguma coisa eu mostrar um muito de exagero que há nessas contínuas conversas sociais não adiantava nada pra você que não é indivíduo de intrigas sociais.
Pra você me defender dos outros, não adiantava nada pra mim, porque em toda a vida tem duas vidas, a social e a particular, na particular isso só me interessa a mim e na social você não conseguia evitar a socialisão (sic) absolutamente desprezível de uma verdade inicial.
Quanto a mim pessoalmente, num caso tão decisivo para a minha vida particular como isso é, creio que você está seguro que um indivíduo estudioso e observador como eu, ha-de (sic) estar bem inteirado do assunto, ha-de tê-lo (sic) bem catalogado e especificado. Ha-de ter (sic) tudo normalisado (sic) em si, si é que posso me servir de “normalisar” (sic) neste caso. Tanto mais Manu, que o ridículo dos socializadores da minha vida particular é enorme. Note as incongruências e contradições em que caem: o caso de “Maria” não é típico. Me dão todos os vícios que por ignorância ou interesse de intriga são por eles considerados ridículos e no entanto assim que fiz de uma realidade penosa a “Maria”, não teve nenhum que caçoasse falando que aquilo era idealização para desencaminhar os que me acreditam nem sei o quê, mas todos falaram que era fulana de tal. Mas si agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui a sair sozinho comigo na rua (veja como tenho minha vida mais regulada que máquina de precisão) e se saio com alguém é porque esse alguém me convida. Si toco no assunto, é porque se poderia tirar dele um argumento para explicar minhas amizades platônicas, só minhas.
Ah, Manu, disso só eu mesmo posso falar. E me deixe que ao menos para você, com quem apesar das delicadezas da nossa amizade, sou de uma sinceridade absoluta, me deixe afirmar que não tenho nenhum sequestro não. Os sequestros num caso como este, onde o físico que é burro e nunca se esconde entra em linha de conta como argumento decisivo, os sequestros são impossíveis.
Eis aí os pensamentos jogados no papel sem conclusão nem consequência. faça deles o que quiser.”