Literatura: uma questão afetiva

Literatura é, antes de tudo, uma questão afetiva. Quem lê – e falo da leitura contínua e prolongada – se debruça sobre livros que representam mais que passar de olhos sobre as páginas e entender e assimilar o que está ali. A compreensão das linhas atinge tal zênite que se funde à memória como se aquele autor, aquele livro e aquela editora fossem parte dos tentáculos da sua lembrança.

Quando leio Borges, não estou apenas lendo Borges, estou ativando na minha memória o período da minha vida em que descobri Borges, como o conheci e como se desenrolou a paixão pelo argentino. No caso de Kafka, não é diferente. (E, por sinal, Borges falou tanto sobre isso que me sinto um pobre pecador em comentar sobre o assunto, mas vamos lá.)

A literatura nos pega nisso. As editoras já aprenderam que um leitor de Moby Dick – alguém que realmente ame o livro – pagará mais caro para ter uma edição de luxo que será poucas vezes folheada. Mas o livro estará lá. Falando dessa forma, parece algo tão distante e incoerente, mas basta olhar a indústria da música e perceber que não é.

Quem nunca sorriu – ou esboçou um arremedo de um sorriso – ao reler um livro que marcou de alguma forma? A literatura é inspiração, transpiração e respiração. A questão está administração do afeto. Recentemente, as listas dos “10 livros mais..” estão pululando nas redes sociais. E por quê? Porque cada livro mencionado carrega algo de bom, algo que merece ser dividido.

Clarice Lispector disse em sua última entrevista, veiculada somente depois de sua morte, que escrevia para se manter viva, tal como bebia e se alimentava. Com quem lê não é diferente. A leitura – sempre a boa leitura – é aquela que mostra que se está viva. A literatura vai muito além da estética e da história – embora elas sejam fundamentais. Ela é a memória em forma de páginas.

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