Em seu primeiro – e, por enquanto, único – romance, Consumidos, o diretor canadense David Cronenberg cita em profusão marcas de eletrônicos, configurações de lentes de câmeras e afins. Philip Roth também não se cansa de citar as máquinas de escrever e o computador que seu alter ego Nathan Zuckerman usou no decorrer da vida. Modeles de Chevrolets e Fords também foram usados na base narrativa de Liberdade, de Jonathan Franzen. Mas nestes três casos, existe a “inocência” da ocorrência de marcas e produtos para dar corpo ao texto e criar a verossimilhança necessária.
O mesmo não aconteceu com o e-book Find me I’m yours, de Hillary Carlip. Além de ser um verdadeiro pastiche literário, o romance contém nada menos que 356 referências ao adoçante Sweet ‘N’ Low, muito popular nos Estados Unidos. Com citações deslavadas do produto e aparições ‘à surdina’, o livro é a primeira obra considerada patrocinada a ser vendida no varejo eletrônico mundial.
A Cumberland Packing Corporation, fabricante do produto, investiu US$ 1,3 milhão, ou seja, mais de R$ 3,8 milhões, para aparecer em Find me I’m yours. O livro está à venda por US$ 6,99, pouco mais de R$ 18, no entanto, o lucro real está no conteúdo pago pela empresa. Apesar de ser um livro com nenhum atrativo especial, levanta a questão sobre essa nova forma de explorar o mercado editorial.
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O romance é, na realidade, um conjunto multimídia, já que está ligado a diversos sites e aparatos que permitem a navegação do leitor por um universo criado por Carlip. Para isso, a autora usa imagens de redes sociais – ou a emulação delas -, se vale a linguagem típica dos adolescentes e faz do roteiro sentimental da protagonista uma verdadeira bad trip.
É mais ou menos como os autores que criaram uma teia de mistério no livro Endgame e prometeram ao leitor que descobrir a chave que soluciona a obra um prêmio milionário. Isso não é, necessariamente, literatura.
Pago e não nego
A Cumberland não teve vergonha de escancarar que pagou para que Hillary Carlip incluísse o Sweet ‘N’ Low no livro. Steven Eisenstadt, executivo-chefe da empresa, afirmou que viu em Find me I’m yours uma possibilidade de atrair os consumidores mais jovens e combater os mitos sobre os usos do adoçante.
O perigo desse tipo de ação promocional está no que se transformará a literatura. Qual o rumo do conteúdo de obras “água com açúcar (ou adoçante)” se tudo nelas pode estar relacionado ao business? Esse é o primeiro passo para a deturpação do valor literário e da construção narrativa do livro. Pouco a pouco, atividades ‘paranormais’ desse (baixíssimo) quilate devem invadir a literatura popular como uma coqueluche infernal.