O maringaense Marcos Peres foi um dos três vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura de 2014, com o polêmico O Evangelho Segundo Hitler. Apesar de todo o frisson sobre a obra, o autor revelou com Paraná Online que nunca quis fazer alarde, mas instigar o leitor sobre o assunto e os possíveis desdobramentos históricos.
Como se não bastasse colocar na berlinda o ditador alemão, Marcos também usou o escritor argentino Jorge Luis Borges para temperar o livro. E, justamente, o uso as técnicas borgianas dentro de um romance denso e cadenciado é a fonte da estética para O Evangelho Segundo Hitler.
Para descobrir um pouco mais sobre Peres e o que ele está preparando par ao futuro, a Contracapa conversou com exclusividade com o autor.
O Evangelho Segundo Hitler é seu primeiro livro, mas acredito que a literatura surgiu para você muito antes. Como nasceu sua relação com os livros?
Sempre fui um leitor voraz. Desde que me conheço por gente, devoro ficções. No começo, gibis; depois, histórias juvenis; depois, adultas. Friso na importância da leitura, na formação do escritor – como o faz a esmagadora maioria dos escritores. Do ato de ser um leitor, descobri que escrever era uma forma de queimar todos os meus demônios interiores. Aí nasceu o escritor.
Seu livro faz uma relação interessante com Borges, mas também possui laços estreitos com a obra de Dan Brown e Umberto Eco. Como você fez para dinamizar essas variadas influências e ainda criar uma obra com identidade própria?
Concordo que, em um primeiro momento, juntar Borges, Eco, Dan Brown e Hitler parece coisa de maluco. O processo criativo é feito de jorros, de espasmos, as vezes não tão racionais: se fosse explicar como se deu toda essa junção, creio que seria assim: decidi escrever sobre o Borges porque 1. Estava influenciado por um conto fantástico, pesadíssimo, denominado “3 versões de Judas”. 2. Eu conhecia bem a vida dele e, portanto, era um terreno seguro para eu construir meu personagem. Julguei que seu conto “3 versões de Judas” era muito mais herege que as brincadeiras de livros de teorias da conspiração, como as do Dan Brown. Neste ponto, assumi um vetor mais crítico, como o do Umberto Eco, em seu Pêndulo de Foucault. Tinha, então, um protagonista (Borges) e um tema (3 versões de Judas). O enredo foi se expandindo por si só e precisei encontrar um vilão: o grande vilão contemporâneo ao Borges era o Hitler. Aí ele também entra na brincadeira. Não me preocupei em soar parecido com Borges ou com Brown. Não sou um escritor de teorias da conspiração. O desejo que tinha de escrever sobre tal tema foi exaurido no Evangelho. Meu próximo romance é um policial e, da mesma maneira, tenho certeza que não sou um escritor policial, stricto sensu. Gosto de alguns gêneros literários e escrever sobre eles é minha forma de prestar uma homenagem (e de conhecer minhas próprias limitações).
Quando o livro foi lançado, no ano passado, criou-se uma polêmica. Era sua intenção criar esse tipo de abordagem?
Não. Sou, por incrível que pareça, totalmente avesso às polêmicas. O Evangelho foi escrito para ser lido por 2 ou 3 pessoas e, logo em seguida, engavetado. O Prêmio SESC – que eu enviei por desencargo de consciência – mudou essa realidade. Agora, o Prêmio SP me dá uma visibilidade imensa. Há 2 anos, nem no meu sonho mais borgiano eu conseguiria imaginar essa realidade.
Qual a importância para um autor estreante ter a chancela de premiações como o Sesc e o São Paulo?
Toda! Um escritor incipie,nte não tem, muitas vezes, acesso a uma grande editora e aos grandes eventos literários. Prêmios destinados a inéditos e iniciantes são extremamente salutares porque preenchem esta lacuna. Não digo por mim, mas baseado em precedentes: é só olhar a lista de premiados do SESC e do SP para reconhecer a importância de tais prêmios. Muitos escritores excelentes tiveram visibilidade e reconhecimento apenas com estes prêmios. Estar neste rol me deixa muito feliz.
Em uma época em que as listas de mais vendidos saltam os olhos e pulam sobre os leitores, o que é mais importante para um autor: ser aclamado pela crítica, que percebe as influências e associações eruditas, ou pelo público, que tem na obra uma boa fonte de entretenimento?
É uma pergunta interessante porque busquei no Evangelho obras de valor acadêmico, como o Pêndulo de Foucault, e obras populares, como os romances do Dan Brown. No conteúdo, coloquei densas referências literárias, filosofias e história de seitas desconhecidas da grande maioria dos leitores, buscando, assim, uma compreensão crítica do tema.
Na forma, no entanto, busquei uma escrita fluente e acessível, com capítulos curtos, no molde dos livros de entretenimento. Sob este enfoque, acho que isso foi a maior ousadia do livro: buscar ser entretenimento e erudição, ao mesmo tempo. O risco que se corre é receber pancadas dos dois lados. Acho que, na medida do possível, eu consegui minha tarefa com êxito. Recebi umas pancadas aqui e ali, é verdade, mas isso também faz parte (risos).
E para fechar: já existe um segundo romance ou continuação do Evangelho?
Já. Que fim levou Juliana Klein é um romance policial, que se passa em Curitiba. No romance, Irineu de Freitas é recrutado para trabalhar no caso de um assassinato ocorrido dentro do Teatro Guaíra, em Curitiba, durante um simpósio de Filosofia. No epicentro do crime estão duas famílias de professores rivais, Klein e Koch, uma da Universidade Federal do Paraná (UFPR), outra da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR). Três anos após o assassinato, a professora Juliana Klein, pós-doutora nas teorias de Friedrich Nietzsche, desaparece. Com este romance, quis me distanciar da polêmico de ser um evangelista de Hitler, quis escrever sobre minha realidade.