Crítica: “Sono”, de Haruki Murakami

Nem surreal e nem fantástico – embora use elementos de ambos os estilos em seus livros -, Haruki Murakami é, de longe, um dos maiores fenômenos literários do mundo. No Japão as tiragens de seus livros são gigantesca e a fidelidade de seus leitores está às raias da histeria, deixando qualquer artista pop roendo as unhas de inveja. Por aqui, a fissura é mais amena, mas, ainda assim, lançamentos atrasados e reedições têm sido colocados em dia com o público brasileiro.

O livro mais recente de Murakami em terra brasilis não é necessariamente novo e nem mesmo é o que se possa chamar de romance – no sentido estrito da palavra. Sono (Alfaguara, 120 págs, R$ 37,90) é um conto publicado em 1991 e que ganhou uma edição caprichada – com capa dura e ilustrações da artista berlinense Kat Menschik. (Por sinal, a edição brasileira é uma “réplica” das versões alemã e portuguesa do livro).

A história é, como grande parte da obra de Murakami, sem começo ou fim. A impossibilidade de dormir da protagonista – uma dona de casa, esposa e mãe extremamente comum – é o pontapé para uma jornada insone que, não raras vezes, parece acontecer apenas dentro da cabeça dela. O final, bem, é o mais óbvio possível.

As horas em que não consegue dormir são transformadas em momento de leitura. Debruçada sobre Anna Karenina, passa a viver em um mundo à parte, deslocado da realidade e inteiramente dedicado ao devaneio. Como Kafka à beira-mar (2002) e Caçando carneiros (1982), Murakami cria uma linha tênue entre o real e o imaginário, como se os dois se tornassem uma massa homogênea que existe na consciência de seus personagens.

Jazz

Murakami tem uma peculiaridade: todos os seus livros podem ser embalados pelo jazz. Woody Allen também fez de seus filmes o cenário perfeito para a trilha e ambos usam personagens iludidos e desgostosos – por algum motivo – para criar um universo cínico e dilacerante. Para o crítico Ubiratan Brasil, o escritor consegue, com esse artifício, estabelecer laços afetivos com seus leitores.

Há quem diga, nesse ínterim, que Murakami é juvenil. Nem um e nem outro (novamente). O professor, escritor e crítico Benedito Costa desmente esse caráter.

“Não é demérito escrever para crianças ou adolescentes (sendo que o próprio conceito de ‘juventude’ mudou bastante nas últimas décadas, com expressões novas como ‘betweens’ e ‘kidults’). Mas valeria lembrar que há obras muito profundas que poderiam estar na estante de ‘infantojuvenil’ da sua livraria predileta”, disse.

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