Crítica: “Só por hoje e para sempre”, de Renato Russo

O vozeirão de Renato Russo (1960 – 1966) em frente ao Parque Antártica lotado na turnê do disco As Quatro estações (1989) em 1990 não denunciava os dramas internos vividos por Renato Manfredini Júnior. Naquele ano, que foi o ápice da Legião Urbana, o cantor vivia um romance conturbado com um norte-americano – que se descobriu mais tarde ser um catador de lixo na terra do Tio Sam – e descobriria ser portador do vírus HIV.

Centro das atenções na Legião Urbana, Renato gostava de ser visto como um líder, mas dispensava o tom messiânico que fãs de todo o Brasil atribuíam às suas letras. A personalidade forte do cantor fez com que ele afundasse nas drogas, indo da cocaína à heroína, com uma facilidade capaz de invejar muitos junkies convictos. As revelações dos bastidores conturbados da vida de Renato Russo estão no diário inédito lançado neste mês. Só por hoje e para sempre (Companhia das Letras, 168 págs., R$ 34,90) é o relato emocionante dos quase 40 dias em que ficou internado em uma clínica de reabilitação no Rio de Janeiro  nos primeiros meses de 1993.

O livro se concentra muito mais nas impressões de Russo sobre o mundo que o cercava e aí, claro, estavam incluídos Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, guitarrista e baterista, respectivamente, da Legião Urbana. Um dos trechos mais polêmicos das anotações do cantor está justamente quando admite uma espécie de amor platônico pelo guitarrista. Segundo o próprio Renato, ele nunca havia se sentido atraído pelo companheiro até descobrir que Fernanda Villa-Lobos morria de ciúmes da amizade dos dois.

Esse foi o estopim para Renato criasse fantasias sobre Dado. Ainda que não tentasse nenhuma aproximação, o letrista admite que muitas vezes tomava decisões só para ver o amigo feliz – ou ia aos ensaios porque Dado estaria lá. No texto Renato Russo deixa claro que não pensava no amigo sexualmente, mas o tomava como incentivo para continuar a banda – que acabou quando o vocalista morreu em outubro de 1996.

Drogas

Inicialmente, Renato deveria passar 29 dias na clínica Vila Serena, mas o período se estendeu para 37 diárias. O número inicial se tornou tema para a música de abertura do disco O Descobrimento do Brasil (1993) e o lema dos Alcóolicos Anônimos deu nome à faixa Só por hoje, do mesmo álbum. Antes de buscar ajuda Renato quase morreu de overdose – a experiência está na música Um dia perfeito – e se meteu em confusões homéricas.

O período de sobriedade – que ao certo ninguém sabe quanto tempo durou, pois conta-se que, enquanto produzia A Tempestade (1996), tomava outra vez as suas ‘doses’ – e a luta contra os vícios dão o tom para o disco de 1993. O jornalista Arthur Dapieve definiu o penúltimo trabalho da Legião Urbana com Renato vivo como “redentor”. E realmente é.

Mas antes da redenção o cantor passou o inferno. Em Só por hoje e para sempre Renato comenta sobre as suspeitas que tinha de que poderia ter sido o culpado pelo infarto do pai e por quase ter deixado o filho morrer – enquanto se drogava. O mito romântico do líder religioso que recaía sobre o vocalista se desfaz aos poucos na medida em que a leitura avança, mas a certeza de que ele foi um dos maiores poetas do rock nacional não morre. E não morrerá. 

Paraná Online no Facebook

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo