Philip Roth nasceu no seio do judaísmo de Newark, a maior cidade de Nova Jersey, nos Estados Unidos. Essa proximidade com a cultura judaica permitiu que ele escrevesse com fúria e crítica sobre seus congêneres religiosos, se transformando em um pária literário. Após Roth decretar sua aposentadoria em 2010, Claudia Roth Pierpont, amiga e jornalista – sem nenhum parentesco com o autor-, decidiu que havia chegado o momento em que a carreira e a vida pessoal de Roth deveriam ser confrontadas e analisadas.
Roth libertado: o escritor e seus livros (Companhia das Letras, 480 pág., R$ 52,90) é o resultados das conversas entre o autor de O Complexo de Portnoy (1969) e Pierpont. Pouco a pouco se percebe que, ao contrário do que se pensa, a vida pessoal de Roth serviu de base para a maioria de seus livros. Casamentos nebulosos, relações pouco esclarecidas, a doença terminal do pai, a morte da mãe e as convenções impostas pela doutrina religiosa são parte do ideário rothniano.
Desde Adeus, Columbus (1959), seu primeiro livro publicado, Roth causou polêmica por colocar os judeus em situações pouco comuns para um povo que viu 6 milhões dos seus serem exterminados no Holocausto. Os contos “A Conversão dos judeus” e “Epstein” causaram revolta entre rabinos e praticantes mais fervorosos. Não é difícil imaginar a confusão em que Roth se meteu. Sua cabeça chegou a ficar a prêmio e um rabino sugeriu que “judeus medievais” deveriam dar uma lição. A polêmica maior, no entanto, viria uma década depois, com a história de Alexander Portnoy, que conta sua vida em um divã de analista, detalhando seus percursos sexuais e masturbatórios.
A partir de Portnoy a identidade literária de Roth passou a ser ligada diretamente ao sexo e afins. Três anos mais tarde seria lançado O Seio, o primeiro dos três livros a apresentar David Kepesh como protagonista. Kepesh, na história, se transforma em um mamilo gigante, Coincidência ou não, também em 1972, Woody Allen lançou Tudo o que você sempre queria saber sobre sexo e tinha medo de perguntar, que tem cena semelhante. Apesar do tom cômico, Roth se inspirou em A Metamorfose, de Kafka, e O Nariz, de Gogol, para compor a narrativa.
Obsessões
Claro, essas são situações que ilustram a simbiose entre biografia – embora não a seja – e análise – esta sim, foco do trabalho de Pierpont. Apesar das longas conversas entre Roth e e sua “quase biógrafa”, o escritor não leu o livro antes que estivesse pronto. A ligação entre os dois permitiu que Pierpont “vasculhasse” as memórias de Roth e traçasse um paralelo entre o ambiente doméstico e a vida literária.
Dentro das gavetas de lembranças de Roth está o casamento com Maggie Williams – que falsificou um exame de gravidez para “forçar” a união – e os anos com Claire Bloom – que depois o retratou em sua autobiografia como um ser humano terrível – e também o breve affair com Jackie Kennedy, pouco depois da morte do marido.
Os futriques são apenas um pequena parte do livro, que trata muito mais das obsessões literárias de Roth. Seu amor incondicional por Kafka e sua dificuldade para começar um novo livro são pontos tocantes do trabalho de Pierpont, que transforma a função de escritor em algo comum e cotidiano.
E por ser um homem comum, e já ter escrito mais de 30 livros, Roth decidiu encerrar sua carreira literária com Nêmesis (2010), uma bela bebericagem na fonte de Camus.