Crítica: “O Incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação”, de Haruki Murakami

Quando o compositor húngaro Franz Liszt (1811 – 1886) criou a suíte Anos de peregrinação, ele já era – para sua época – um fenômeno pop. Dono de um temperamento que não deixa nada a desejar para qualquer rock star, Liszt carregava também um talento inabalável. Essa combinação – talvez – explique a dificuldade dos intérpretes em executar cada uma três partes principais da peça, que narra a busca de um homem por sua própria identidade.

O escritor japonês Haruki Murakami, que completou 66 anos na última segunda-feira (12), vive situação parecida ao seu colega do século XIX. À exceção dos exageros, Murakami é um sujeito calmo, ele tem a mesma obrigação que Liszt de agradar gregos (críticos) e troianos (leitores). Seu livro mais recente, O Incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação (Alfaguara, 326 pág., R$ 39,90), vendeu 1 milhão de cópias na primeira semana apenas no Japão e recebeu elogios de gente como Patti Smith.

Tazaki é o que se pode chamar de homem comum: sem nenhum grande atrativo ou defeito que se sobressaia, não passando de um ser humano ordinário. Até chegar o ensino médio não tinha grandes ambições, a não ser construir estações de trem quando “chegasse a hora”, sua grande obsessão. A vida só toma um rumo diferente quando encontra, durante atividades voluntárias, quatro jovens que, assim como Tsukuru, eram pessoas normais: Azul, Vermelho, Preta e Branca. Cada um deles tinha uma cor em seu sobrenome e passaram a se chamar por ela. Menos Tsukuru, que era incolor.

A Roda do Destino, como diria Oscar Wilde, girou novamente quando ele, após deixar sua cidade, Nagoia, para estudar engenharia em Tóquio, é sumariamente arrancado do círculo de amigos e passa 16 anos sendo ignorado pelos quatro. A agonia de não saber o porquê da exclusão persegue Tazaki até o dia em que, com a ajuda de uma amiga?namorada, vai atrás dos antigos amigos para descobrir a verdade.

Tentáculos narrativos

A alegoria criada por Murakami se sustentada justamente pelo pé na realidade. Sem usar os artifícios fantásticos, com em Kafka à beira-mar (2008), sua obra-prima, o autor reproduz as dificuldades de adaptação e a necessidade de se sentir inserido em grupos sociais como tentáculos para a narrativa. As dúvidas entre o real e o onírico também atormentam Tazaki, como se ele nunca abandonasse aquilo que Pasolini chamava de “a hora depois do sonho”.

O Incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação evoca o personagem atormentado por si mesmo, algo tão comum nas obras de Kafka ou Bruno Schulz, mas sem a estética pesada – no bom sentido da palavra – de O Processo, por exemplo. Mas ao contrário do universo kafkiano, Murakami permite uma resolução com um pingo de dignidade, sem que seja preciso morrer ou matar.

Em certa medida, o autor criou o que pode ser chamado de “literatura de identificação”, em que o leitor consegue se projetar na obra, criando uma nova dimensão para o texto. Essa perspectiva é o que coloca Murakami entre os escritores preferidos da atualidade e no hall do favoritos para o prêmio Nobel todos os anos.

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