Quando recebeu a encomenda para escrever um novo livro, em 1829, o escritor francês Victor Hugo (1802 – 1885) se viu às voltas com um curto prazo para entrega e o medo das pesadas multas que receberia – além da reputação arranhada – caso entregasse os originais com atraso. A opção do autor foi criar um romance com base em anotações que guardava sobre os anos medievais de Paris. Em poucos meses, Victor Hugo criou um dos maiores clássicos da literatura mundial: O Corcunda de Notre Dame (Zahar, 624 pág.,R$ 36,90) relançado no começo deste ano em uma edição ilustrada e luxuosa sob a batuta tradutória de Jorge Bastos.
O amor de Quasímodo, o corcunda que trabalha como sineiro da catedral de Paris, pela cigana Esmeralda, uma dançarina de rua que se apresentava em frente à igreja, é o pano de fundo para que Hugo transformasse em literatura a sua obsessão pela era medieval. A história, que se passa em 1482, é, na verdade, uma ode à arquitetura gótica da cidade. Tanto que, em uma nota do livro, o autor explica que o termo gótico em seu significado consagrado é “perfeitamente impóprio”.
Hugo usa sua obra para criticar a postura conservadora da Igreja Católica, naquela época uma instituição tão poderosa quanto o Estado. Ainda que tivesse sido um cristão fervoroso, cria em Claude Frollo, paí adotivo de Quasímodo e arquidiácono de Notre Dame, precisa se dividir entre a devoção a Deus e a adoração por Esmeralda. Sem mencionar a palavra pecado, Victor Hugo cria um personagem atormentado pelo desejo carnal que, consciente de sua condição, se esconde atrás da figura religiosa.
A única tentativa de conquistar a cigana, que também desperta o desejo de homens poderosos da cidade, é sequestrá-la. E encarrega Quasímodo de dar cabo da ação. Como era de se esperar, o corcunda é apanhado e levado à puníção física e é exposto em praça pública como troféu. Morto de sede, literalmente, o pobre-diabo ouvia à sua volta as pessoas afirmando que era “tão feio quanto a maldade”. E a única pessoa a lhe oferecer um pouco de água é Esmeralda.
Tentação
Como peça fundamental do romantismo, O Corcunda de Notre Dame transpõe o sagrado e o profano, explorado os pequenos do desejo humano, capaz de promover os eventos mais trágicos e escandalizantes. Ao contrário de A Bela e a Fera, em que o amor é possível após um lampejo mágico, a paixão de Quasídomo por Esmeralda é utópica e irrealizável.
Esmeralda é a encarnação do esteriótipo da femme fatale: sensual o suficiente para levar os homens à desgraça. Enquanto dançava às portas da igreja, a cigana tinha a seus pés gente como o poeta Pierre Gringoire, um “dim-ass” como ela, e o respeitável capitão Phoebus de Châteaupers. Todos se arruinam – uns mais e outros menos – graças a Esmeralda. Se conhecessem os versos de Lou Reed (1942 – 2013) talvez não tivessem caído em tentação.