Durante os anos de 1956 a 1961, o escritor e dramaturgo norte-americano Arthur Miller (1915 – 2005) foi considerado um dos homens mais sortudos do mundo. Foram estes cinco anos o tempo que durou seu casamento com Marilyn Monroe (1926 – 1962). Àquela altura, Miller já era um artista estabelecido: suas peças e roteiro faziam sucesso dentro e fora do país. Ainda assim, escrevia “escondido” contos reunidos em Eu não preciso mais de você (Companhia das Letras, 456 págs., R$ 49,90), lançado por aqui em fevereiro.
Por mais que a prosa não se iguale à sua dramaturgia, Miller consegue equilibrar seus contos com pequenos detalhes adquiridos no teatro. A história que dá título à coletânea é um exemplo. O texto é repleto de oralidade e não se furta ao retratar a forma de falar de gente simples. Por sinal, as pessoas comuns são a principal matéria-prima da obra do autor de Morte de caixeiro-viajante (1949).
Miller é crítico em relação à vida. Em “Monte Sant’Ângelo”, dois rapazes americanos viajam à Itália à caça de suas raízes: sobem o monte homônimo e lá encontram um naco da sociedade ainda intocada. O consumismo e o capitalismo são, pelos olhos de Miller, o pecado original. Perseguido pelo macartismo, ele se exilou em sua própria ficção.
“A Noite de um serralheiro”, texto de 1967, conta a história de Tony Calabrese, filho de imigrantes que precisa se libertar da própria família para encontrar quem é realmente. Calabrese é uma espécie de Vito Corleone que não deu certo. A solução para esse estranho arranjo é o isolamento. A capacidade de descrever “tecnicamente” uma vida ordinária e sem grança dá brilho a “Os Desajustados” e “O Manuscrito nu” – dois textos distantes dentro do livro, mas que se aproximam em temática.
O clima que Arthur Miller cria em sua prosa próxima é fruto, justamente, dos seus anos convivendo com atores e diretores. Como explica na introdução do livro, o texto é a “representação de uma visão específica à sua própria distância, a descoberta do tom adequado para aquilo que a pessoa sente por uma coisa, por uma pessoa, por um evento”.
É impossível fugir à foice imposta pela realidade, por mais dura que seja, e Miller explora ao extremo aas vicissitudes. É, até certo ponto, como o Nuno Ramos uma vez definiu: a aparência do ser humano é uma “aparência de destroços”. Essa pequena caliça que nos forma é o que Arthur Miller usar para erguer as paredes da existência dos seus personagens.
E, como manda a regra cortazariana, os contos de Miller nos vencem por nocaute.