A prosa de John Banville sempre teve frieza cirúrgica de Bergman, intercalando concreto e abstrato, tangível e intangível. Em Eclipse, que acaba de sair pela Biblioteca Azul, o irlandês cria o cenário perfeito para uma esplêndida derrocada.
Alexander Cleave é o típico personagem atormentado: intelectual de meia idade, em crise consigo, com o casamento e com tudo o que o cerca. Assim como o professor David Lurie, de Coetzee, ou Simon Axler, de Roth, Cleave caiu em desgraça, foi desonrado e precisa se reconstruir, levantar os tijolos de sua vida mundana para encontrar o rumo.
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A solução, ao menos na cabeça de Cleave, é o isolamento. Ele deixa a esposa, que permanece prontamente à sua espera, e vai para a casa em que passou a infância. Chegando lá, encontra o lugar tão decrépito e arruinado quanto ele próprio. Os fantasmas – literalmente – voltam a assombrá-lo. Aos poucos, Alexander deixa de lado os cuidados mínimos com a higiene e vive como um ermitão. “Do que precisaria para sobreviver além de uma xícara de chá, uma tigela e um cobertor?”, se pergunta a certa altura do romance.
De volta à velha casa
Toda a quietude de sua vida solitária é sacudida pelos acontecimentos mais assombrosos e íntimos: fantasmas que o perseguem – mas que beiram a alucinação – e a morte da filha doente. A velha casa representa a segurança da família, literalmente, o ‘colinho da mamãe’, uma tentativa última de se acerta com o passado, mas Lydia, a esposa de Cleave, percebe o processo de autodestruição pelo qual o marido passa e tenta salvá-lo de si mesmo.
Mas a casa não é o que ele imaginava. A salvação cai por terra e o ator entra em um limbo – criado pela sua própria memória ao confundir passado e presente. A situação se transforma em um verdadeiro colapso quando Quirke, contratado para tomar conta da casa, e sua filha Lily aparecem. A relação entre os três é complexa. Cleave descobre o ódio que sente por Quirke, já que, ao invés de cuidar da casa, deixou que ela fosse invadida e praticamente destruída.
Não se deve abandonar uma casa. O conselho do caseiro cai sobre Alexander feito uma bigorna. A menina, que é chamada de governanta, carrega em si um quê nabokoviano, mas se mostra apática e infantil. A pretensão do autor em criar um ambiente onírico e outro real desemboca em um mar de angústia, a única forma de curar a ressaca em que os personagens – todos, sem exceção – se encontram.
A natureza irreal da existência humana é, para dizer o mínimo, chocante. Por isso, Banville conduz o romance, primeira peça da trilogia composta por Sudário e Luz Antiga, com a dureza de uma profecia.