Em 1995, David Bowie criou o disco conceitual e futurista 1.Outside, em que as pessoas eram retalhadas e seus órgãos usados no que ele chamou de “art-ritual murder”. Passadas quase duas décadas, o escritor Luiz Bras lança Distrito federal (Editora Patuá, 280 págs., R$ 45): “uma rapsódia pós-futurista” em que o assassinato formulado e calculado é usado como arma contra a corrupção.

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Os alvos do serial killer são sempre políticos que se deixaram envolver pela névoa da vantagem, da Lei de Gérson e do suborno?propina. Os corpos estripados são exibidos na rua, em locais fechados, em prédios públicos, mas pouco a pouco o desejo de vingança de uma população reprimida pela política desigual se transforma em ação coletiva e novos assassinos aparecem – o que deixa o “artista” pouco encabulado com o amadorismo – e as mortes viram uma reação em cadeia como no longa A Onda, do alemão Dennis Gansel.

Mesmo antes que os admiradores surgissem, o assassino já não estava sozinho: ele era um homem com próteses eletrônicas possuído pelo espírito de Curupira – figura da mitologia brasileira que vive nas matas e tem os pés virados para trás, uma artimanha para enganar os inimigos. No livro de Bras, o Curupira é a essência da indignação de um povo que se vê esfarelado pela elite política.

Divulgçaão

Realidade aumentada

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Repleto de referências à cultura pop – como Fausto Fawcett (Santa Clara Poltergeist) e Marshall Berman (Tudo que é sólido se desmancha no ar), eruditas – Erasmo de Roterdã (Elogio da loucura) e cults – Alejandro Jodorowsky (Dança da realidade), Distrito federal é também um prenúncio da literatura-cultura cult que abraça, mas sem deixar de fora a realidade brasileira.

Os diversos narradores – desde a esposa do protagonista até o próprio “possuído” – derretem a noção de linearidade, permitindo ao texto fluir livremente como um imenso e incorpóreo fluxo de consciência. Bras é sagaz em retratar o Brasil em futuro (não muito distante ou diferente do que vivemos) caótico.

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Os escândalos políticos são “apenas” o pano de fundo para o desenrolar da história, que vai além e se desdobra em tantas outras – tão fragmentadas quanto o nosso pensamento. Não é de se espantar se, em pouco tempo, Distrito federal deixar a estante de ficção científica e passa para a de História – ou ser chamado de literatura de antecipação.

Divulgação
Nelson de Oliveira e Luiz Bras: o original e o pseudônimo.