Dalton Trevisan não é difícil de se encontrar em Curitiba. Ele está em todos os lugares. E não está em nenhum. Aquele homem, de quase 90 anos, com um boné, óculos de aro, camiseta e tênis – além das inseparáveis sacolas de compras – é o famoso Vampiro. Ele não se esgueira pela cidade. Dalton desce a Ubaldino do Amaral com tranquilade. Esse passeio pelas ruas é que o faz dele um cronista moderno de assuntos antigos. Duvida? Espere para ler Beijo na nuca (Record, 144 págs., R$ 32), a nova coleção de textos do contista.
Dalton é um dos poucos escritores brasileiros capaz de se reinventar usando sempre os mesmos temas e personagens. São os mesmos Joãos e Marias, os mesmos merdunchos – como diria João Antônio – que povoam os cantos mais remotos e mais centrais de Curitiba. O amor da “Namorada” ou o “O Anjo” pornográfico que assoma à janela ou porta da virgem louca são as paisagens preferidas do escritor. Dalton não tem medo da crueldade, dos ciclistas mortos no trânsito (“Pardais”) e das noites frias do Passeio Público (“Noite”) – que bem poderia se chamar “passeio púbico” no universo do Vampiro.
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Mas nem só das alegrias dos inferninhos é que vive a prosa do curitibano. Dalton chega a um momento em que a consciência da efemeridade é visível (“O Ladrão”), mas toda a carga de culpa e desculpa é aliviada do mesmo jeito há décadas: um punhado de balas zequinha. Esse é o Dalton. Esse é o Vampiro.
Tapa na casa
Em uma (das poucas) entrevistas que concedeu (como uma bênção ao afortunado repórter), ele disse que sua família fica surpresa ao vê-lo escrever sobre aquele universo tão particular. Parte desse espanto vinha do fato de que o advogado e empresário (Dalton era dono de uma fábrica de vidro) não frequentava aqueles lugares.
O corpo até podia não estar, mas a escrita ainda vive lá. Sua revolta com Emiliano Perneta (1866 – 1921) ou a antipatia por Helena Kolody (1921 – 2004) passam ao largo de Beijo na nuca, mas sem deixas de estapear a cara do leitor folgado, acomodado e que acha que já leu tudo.
Não, não leu. E é bem certo que nunca lerá. Dalton é como Gregor Samsa ou Robinson Crusoé que deixar de o que é sem abandonar a essência. Esse é o Dalton. Esse é o Vampiro.
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Reclusão de Dalton Trevisan só fortalece a sua obra. |